Cais de maduro, cais de podre

Rubem Penz

Esta será a última de cinco crônicas sobre o mesmo tema: O Centro Histórico de Porto Alegre. Recapitulando, comecei implorando para que você, leitor ou leitora, leve as crianças ao Centro para, nelas, criar memórias. Passei por minhas próprias incursões entre 1970 e 80, pela constatação de que a cidade foi-se afastando cada vez mais, tornando o entorno abandonado e, semana passada, falei sobre o Edifício Santa Cruz – cenário de um dos dias mais felizes de minha história recente. Reservei para hoje aquilo que me alimenta de esperança: como em um ciclo, onde tudo começou, tudo pode recomeçar – na revitalização do cais do porto.

Talvez eu seja o menos viajado entre os homens viajados, mas já andei por aí neste mundão e reparei, com cinco sentidos, na lindeza de muitas cidades. Fui seduzido por elas, compuseram meu roteiro e retribuíram com competência, acolhimento e graça. Em todas, uma constante: havia a consciência de origem, o zelo presente e a capacidade de promover ações coordenadas, privadas e públicas, para preparar o futuro. Cada vez que escuto a jura de o projeto de revitalização do cais do nosso porto sair do papel, o passado, o presente e o futuro de Porto Alegre prometem se reconciliar. E a frustração dessa iniciativa é a derrota de todos.

Tivemos, há bem pouco tempo, a chance de ouro – ondas favoráveis de investimento irrigando boas ideias, gestores comprometidos e atentos ao clamor da cidade. Mas não estou aqui para me queixar do que não houve, nem para culpar A ou B pelo fracasso: quero reafirmar a necessidade de ainda ser! O Cais Mauá significa a redenção da cidade, uma espécie de nova chance a qual, sozinha, não resolverá tudo. Porém, a partir da revitalização da orla central, tudo mais poderá ganhar impulso e o passado, o presente e o futuro estarão, enfim, de mãos dadas. Tudo tão óbvio, tudo tão inacreditavelmente difícil.

Há algo de muito podre a contaminar este fruto maduro. Eu sei, eu sei: falta competência para o mínimo dos mínimos, como retirar as pessoas que moram no viaduto Otávio Rocha, preservar praças e monumentos, ofertar segurança. Mesmo assim, estou convicto de que a revitalização do Cais Mauá deveria ser uma obsessão para os porto-alegrenses e, por extensão, também aos gestores. Moramos em uma das cidades mais potencialmente belas que conheço. E a maior façanha do momento, antimodelo a toda terra, é manter tal patrimônio jogado no lixo.

Crônica publicada em 28.11.17 no Metro Jornal

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