Calçada da Fama e da Fortuna

Poucas experiências são mais reveladoras para um artista do que se apresentar na calçada. Ali, ao rés do chão. Despido de luz ou grandes cenários. Sem cartaz, louvor, mídia. Aparentemente sem sorte – pobre músico disposto a competir com as buzinas, receber a atenção dos cães e a humana indiferença. Com enorme ventura, digo eu. E dignidade.

No antipalco que é o passeio público muitas verdades vêm à tona e separam-se, pelo viés da pureza, nobres de aventureiros. Lugar e oportunidade em que reencontrei Cláudio Vera Cruz, músico e compositor de quem não tinha notícias há muitos anos. Ao parabenizá-lo pelo som de altíssima qualidade, nos perdemos num papo tão nostálgico quanto agradável.

Como se ainda fosse o menino de outrora, tomei coragem e pedi para acompanhá-lo um dia, dividir o simples – sublime! – espaço na calçada. Ele, gentil, ou talvez apenas pasmo, aceitou. Depois de inúmeros desencontros de agenda, com perseverança, estivemos enfim lado a lado. Quarta-feira passada, ofertamos aos clientes do Café do Porto e a quem circulava pela Rua Padre Chagas uma verdadeira jam session: nada de ensaio, tudo de bom. Experiência casada com intuição. Música em estado bruto. Estado de graça.

Ah, era como se estivéssemos em Paris ou Nova Orleans. Colhíamos sorrisos, aplausos e acompanhamentos da pequena plateia – script que eu adivinhara. Diante de nós, desfilavam moças bonitas, automóveis de luxo e personalidades influentes. Mas o melhor ainda estava por vir. De passagem, Serjão, um habitual morador de rua do Moinhos de Vento, parou no meio-fio entre dois automóveis enquanto tocávamos um tema do Jorge Ben Jor. E nos acompanhou com as mãos avançando um pouco mais para perto. E prosseguiu para cantar ao nosso lado, afastando-se ao final da música. Logo após, retornou faceiro com R$ 2, colocados sobre a caixa de som.

Como ia dizendo, poucas experiências são mais reveladoras para um artista do que se apresentar na calçada. Em pouquíssimos locais ou situações poderíamos merecer maior elogio – ou surpresa mais agradável – do que a contribuição espontânea e nobre do Serjão ao nosso oferecimento musical. Hoje, das 19 horas em diante, acompanharei Cláudio Vera Cruz no Café do Porto outra vez (leia isso como um tímido convite). Retorno à Calçada da Fama que, a partir de agora, também se torna a Calçada da Fortuna – alcançada com valiosos R$ 2.

Coluna do Metro em 23.01.2013

2 comentários em “Calçada da Fama e da Fortuna”

  1. Regina Starosta

    Rubem, fiquei emocionada.com esta homenagem que fizeste para esta figura tão presente e, ao mesmo tempo tão anônima. Moro nos Moinhos de Vento há mais de 50 anos e cruzava com ele quase que diariamente na calçada da Padre Chagas, que também é minha passarela. Fui saber seu nome hoje no jornal. Fiquei surpresa e a ao mesmo tempo, sentida. Belíssima crônica.

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