Comparando o incomparável

Rubem Penz

Responda rápido: prefere se deslocar de bicicleta ou sorvete de baunilha com calda de caramelo? Se pudesse escolher, optaria por casamento poligâmico ou jornada de trabalho de nove horas, folgando a partir das sextas-feiras de tarde? Gosta mais de gatos ou de panos de prato com acabamento em crochê? Vinho ou samba-canção?

Tracei paralelos ilógicos para alertar sobre uma tendência dos últimos dias: comparar o que não está na mesma categoria. Essa prática, além de ser sem cabimento, costuma levar a lugar algum. Por exemplo, uma enxurrada de mensagens lamentou o fato de não ocuparmos mais as ruas para protestar contra o governo enquanto, ao mesmo tempo, uma parcela da população gaúcha foi capaz de entupir praças, estádio e toda a Av. Goethe para festejar um título de futebol.

Nem preciso lembrar, mas vamos lá: nossa afinidade com a devoção clubística é absolutamente passional. Pelas cores, esquecemos a lógica, desprezamos as inconveniências, quebramos barreiras outrora delicadas. Temos uma entrega irrestrita e fiel, torcemos pelo improvável, perseguimos quimeras – aliás, adoramos especialmente as ilusões. Um ardor ofuscante a ponto de justificar um gol feito com a mão, considerar a priori o árbitro desonesto, glorificar atletas de qualidade duvidosa. Se contaminada pela razão, a torcida perderia boa parte do entusiasmo.

Na política, todavia, toda vez que nossas análises são influenciadas pelo caráter de uniforme e escudo, o resultado é um desastre. Defende-se o indefensável, perdoa-se o imperdoável, relativiza-se o que, nos outros, jamais deixaríamos passar. Ninguém confia no juiz, todos falam que a mídia é parcial (contra si), só a vitória interessa e, por ela, vale tudo. Pior: parte-se para a violência – seja ela das palavras, seja física. O acirramento do “nós contra eles” é tão ineficiente para barrar malfeitos quanto eficaz para impedir boas propostas. E os moderados são tratados como desprezíveis vira-casacas.

Portanto, não caiamos na tentação de comparar o não comparável. É mau negócio esperar que torcedores tenham a frieza e o discernimento de quem avalia a administração pública, é pior ainda desejar que a política seja vivenciada como se estivéssemos numa final. Quem crê ser positivo ter-se o entusiasmo de um aplicado ao outro, esquece ser tal ânimo movido, essencialmente, pela paixão cega. Saudade, saudade mesmo, tenho das passeatas de 2013, verdadeiramente despidas de cores partidárias. Bom, antes de elas serem infectadas pelos Black Bloc – mal comparando, uma espécie de torcida organizada da anarquia.

Publicado em Metro Jornal dia 05.12.2017

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