Dois sonhos, duas medidas

Rubem Penz

Era uma vez dois amigos de infância. Haviam crescido no mesmo bairro e estudaram na mesma escola. Os pais não eram exatamente próximos – estavam mais para cordiais conhecidos. O que facilitava a vida dos meninos: excesso de intimidade entre os adultos pode atrapalhar muito a vida de jovens confidentes.

Em meados da adolescência, diante do fatídico vestibular, um deles se inscreveu num curso das ciências exatas, e o outro rumou ao encontro das humanidades. Ambos estudaram muito e vibraram irmanados na festa dos bixos. Abraçaram-se como se aquela fraternidade fosse o mais precioso néctar ambicionado por homens e deuses.

Porém, a distância começava a incidir em passos miúdos e incessantes. O destino (nem homem nem deus) mostrou que o tempo secava o pote do néctar. O desencontro foi tanto que bastou uma dezena de anos e rumos diferentes para mandarem esparsos sinais de fumaça – um bom Natal aqui, um feliz aniversário acolá, pêsames nos pesarosos momentos.

Até que, em um recente domingo de sol – alegria! –, eles se cruzaram no grande parque. Estavam com suas famílias. As mulheres se sorriram, as crianças se mediram, os cães farejaram-se. Trocaram emocionadas recordações e, na despedida, confissões:

– Meu velho, que inveja tenho de você! Queria ter a metade da sua inteligência!

Ao que o outro, com comovedora sinceridade, respondeu:

– Nem me diga! Eu, na verdade, que invejo você. Juro mesmo: queria ter a metade do seu dinheiro!

Deram-se um abraço tão puro e amoroso quanto a amizade de meninice. Mandaram lembranças para mães e irmãos, beijaram as faces das mulheres, bateram nas palmas das crianças e passaram a mão na cabeça dos cães. E cada um foi outra vez para o seu lado. Ensimesmados e sorridentes.

Ao se afastarem irreversíveis metros, um ficou a pensar em quantos livros compraria, quantos cursos poderia fazer – quem sabe na Alemanha? –, quantas horas teria para se dedicar aos estudos. Iria a muitos shows, peças e museus. Ah, faria sábios investimentos com tanto dinheiro.

O outro, pensava nas tantas e melhores decisões no mercado financeiro, na antevisão ainda mais perfeita do mapa de valorização da cidade, na facilidade em aprender outros idiomas e negociar pelo mundo afora. Ah, faria rentáveis investimentos com tanta inteligência.

Sob o mesmo sol, ambos suspiraram em consolo: só raríssimos têm tudo.

Crônica publicada no Metro Jornal Porto Alegre em 29.03.16

 

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