No tempo do quebra-nozes

Rubem Penz

Quando os filhos crescem, começa a fase das decisões. Período em que pouco ou nada adianta proibir algo: aos jovens, o interdito é sedutor. Então, é preciso confiar em nossos exemplos para escolherem entre o certo e o errado, o bom e o ruim, o justo e o desonesto. Momento em que os melhores conselhos vêm em forma de perguntas – ao invés de repreender, questioná-los costuma ser mais eficaz. Porém, como eles ainda têm fresco o método das proibições, passam a nos proibir. Minha filha, por exemplo, me proibiu de dizer o ano em que determinadas aventuras aconteceram. Segundo ela, envelheço quando dato as coisas. Terminantemente, porém, vetou o enunciado “no meu tempo”. Jamais devo começar uma crônica com essas três palavras.

Pois, no meu tempo (agora já estamos no meio do texto), as nozes para a Ceia de Natal vinham com casca, o que dava certo trabalho. Na casa dos meus pais havia dois quebra-nozes oficiais, e outros dois extraoficiais. Os oficiais eram uma espécie de alicate e o tradicional martelo que acompanhava uma bandeja de madeira com um berço côncavo ao centro. Manejar o alicate era complicado para minhas pequenas mãos. O martelo, por sua vez, era bastante divertido. O pai colocava a bivalve de pé e, com pequenas batidas, conseguia desprender os dois lados. Eu, não: batia com força, espatifando tudo, espalhando cacos de casca e de noz. Quando não machucava o dedo – hora de ser proibido.

Aí entrava o primeiro quebra-nozes extraoficial: a porta. Bastava colocar a noz entre a porta e o marco com ela aberta, ali na altura da dobradiça, e vir fechando. Crás! – vitória da engenhosidade sobre as agruras da natureza. A mãe não gostava muito pois, invariavelmente, deixávamos o chão com alguns cacos de casca. Apenas tolerava porque era isso, ou um piá enchendo o saco para que um adulto quebrasse a noz, todos ocupados em função do jantar. O derradeiro quebra-nozes era a mão do meu pai. Ele acomodava duas nozes de modo a ficarem uma contra a outra e fechava a mão. Crás! – uma delas se partia. Quando eu fosse pai, pensava, teria força para dispensar ferramentas.

Hoje, compra-se nozes sem casca, do contrário é preciso ir às lojas especializadas em antigos mercados públicos. Ainda bem, tive tempo de mostrar aos filhos, quando pequenos, tal prodigiosa prova de força. Mas, desconfio, em repetições insuficientes para transformar isso em metáfora. E perdeu-se assim uma boa lição. Tipo: que tal primeiro ser capaz de quebrar uma noz com as próprias mãos para, só depois, começar a proibir seu pai de qualquer coisa?

Publicado no Metro Jornal de Porto Alegre

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