Número 332

EM MEIO À MEIA

Recém passou meu quadragésimo quinto aniversário e tudo parece meio estranho… O problema é a desconfiança de eu estar no ápice, no auge, na flor da meia-idade. Aliás, eu e toda a minha geração. Não que isso me deixe muito preocupado. Digamos assim: estou apenas meio preocupado. Por isso, especulando as implicações que isso traz.

Por exemplo, o que seria a meia-idade, senão aquele momento da vida em que ficamos meio cegos atrás de indefectíveis óculos de leitura, e mesmo assim enxergamos longe barbaridade? Ficamos meio surdos (ainda mais os músicos, especialmente bateristas), mas compreendemos até o que não está sendo dito? E meio mudos para sermos ainda mais eloquentes com nosso providencial silêncio? Ah, pois é…

Outro fenômeno meio esquisito é que, bem na meia-idade, olhamos para os filhos pensando que eles estão meio parecidos conosco. Eles, por outro lado, nos consideram meio parecidos como os avós, que, já tendo passado pela meia-idade, sempre acham tudo completamente diferente. Aí vemos as duas distantes gerações se entendendo bem, e nós colocados meio de lado nessa relação!

Não obstante o fato de termos muito, ou quase nada termos, na meia-idade o que mais acontece é grande valorização de outros termos: os meio-termos. Isto é, não estamos contagiados nem pelos arroubos apaixonados e inconsequentes da juventude, nem pela estagnação aposentada dos que se deixaram envelhecer demais. Quem está na meia-idade, para o bem de todos e felicidade geral da nação, vai mais devagar com o andor, pois ele, e o mundo, pesam em suas costas.

Este período da vida deixa alguns de nós meio gordinhos, outros meio carecas, meio grisalhos, meio doloridos. É um pouco pior quando tudo isso acontece ao mesmo tempo… Sei de amigos que, achando-se meio acabados, chegam a ficar meio deprimidos. Bobagem! Basta meia hora de caminhada, meio prato de comida, meia taça de vinho e meia-rédea no ritmo, de preferência na companhia da cara-metade. Conseguindo isso, já é meio caminho andado.

É também a meia-idade uma boa ocasião para dar-se meia-volta e alterar os rumos da vida enquanto se tem força, vontade e, quem sabe, um pé-de-meia. Que tal dar vazão ao talento deixado sempre meio de lado? Ou ao pobre sonho, esquecido meia hora depois do sol nascer? Quem sabe descer o meio-fio e pegar a estrada? Aproveitar tanta experiência adquirida para encontrar novos meios de realização pessoal – algo já pensado, no mínimo, meia dúzia de vezes? Como diria um presidente, sim, nós podemos!

No coração da meia-idade vale a pena aproveitar o ar aprazível da meia-estação para namorar um pouco. Caprichar na meia-calça, no sutiã meia-taça, nas palavras ditas a meia-voz e no ambiente bucólico da meia-luz. Lamber meias-palavras em beijos mais quentes e prolongados. Mas, de preferência, antes da meia-noite, pois varar manhãs inteiras na cama, com o passar do tempo, vai ficando cada vez mais difícil.

Por fim, caso você tenha se enquadrado na metade dessas ponderações, parabéns: está sobrevivendo aos atropelos da meia-idade, o que nos faz meio parecidos. Contudo, se espera algum tipo de conselho para o fechamento da crônica, com a solução para os males que nos afligem, tenho más notícias: me faltam meios para tanto. Além do mais, para mim, auto-ajuda é literatura de meia-tigela.

2 comentários em “Número 332”

  1. Olá, Rubem, adorei o seu texto e quero comentá-lo através de um poema bem-humorado que faz parte do meu livro Luas Novas e Antigas:

    OLHAR QUARENTA E CINCO

    Meia idade
    A vida é ou não é engraçada?
    Agora que tenho mais tempo
    para ler,
    minha vista já está cansada.

    Grande abraço,
    Mara Senna

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