Número 361

O DESEJO

Se um homem for sincero, verdadeiro e puro, talvez, um dia, quem sabe?, confesse para a mulher o que sempre desejou dela. Não será tarefa fácil. Alguma coisa em nossa carga genética, na sabedoria (burrice?) ancestral, induz os homens a jamais declararem o mais recôndito desejo à companheira, o qual nem ousa lembrar. O desejo que, quando atendido, de tão magnífico, de tão significante, parecerá pedir demais. E, pela envergadura, transformar-se no último desejo.

Aliás, para quem critica a simplicidade dos machos, temos aqui um paradoxo masculino: como pode vir a ser o último, aquele desejo jamais confesso? Ele estaria, isto sim, mais adequadamente classificado como primeiro desejo. Por isso, quando o homem encontra a mulher de sua vida, aquela que aceita sua corte e, de permissão em permissão, torna-se sua esposa, projeta nela a pessoa capaz de, na hora certa, cumprir com seu maior desejo. O problema é: existe a hora certa? E, ela chegando, haverá coragem para a revelação?

Esta constante repressão faz muito mal ao homem. Ela é presença firme em sua vida. Toda vez que ele olha para a mulher no fundo dos olhos, mas no fundo mesmo, fundíssimo, e puxa o ar para enunciar seu desejo, algo lá no fundo diz: não peça! E o homem nunca sabe ao certo se a misteriosa voz veio do fundo dela, ou estava no fundo de si. De uma maneira ou outra, recua. Adia. Volta a conviver apenas com a promessa de talvez, um dia, quem sabe?, dizer o que verdadeiramente quer. É quando ficamos mudos diante delas – nem sorrindo, nem chorando, nem nada. Tipo, abobados.

A pior notícia ainda está por vir: homem que é homem desconfia de que a mulher sabe o que ele guarda trancado na garganta, mas jamais se antecipará ao seu pedido. Ela deixa, ardilosamente, ele a cozinhar em fogo brando. Faz tudo para manter a crença de que, pedindo, será atendido. Principalmente por saber o quão difícil será para o homem proceder com sua confissão mais reveladora. Age como quem blefa: pouco se importa com o jogo que tem nas mãos, ou se estará apta a atender, enfim, ao desejo. Sua aposta é a de que, na hora H, o homem corre da mesa. Ganha sem revelar-se.

Em uma reunião de amigos homens – na volta da churrasqueira, no vestiário do campo de futebol, na mesa de bar – pode haver quem proclame: minha mulher faz tudo aquilo que eu peço. Será festejado, sem dúvida. Elas não costumam ser assim tão generosas. Cada vez menos, diga-se de passagem. Dependendo do teor alcoólico, da intimidade ou da falta de vergonha, o falastrão poderá desfilar detalhes capazes de fazer corar uma freira. Ou se gabará por ter uma vida de Paxá: ao som de suas palmas, coisas incríveis acontecem. A alegria, na certa, terminaria se um gaiato fizesse a pergunta fatal: mas, nesse tudo, está tudo mesmo? Claro que ninguém questiona. Estragar a festa, para quê?

Porém, embriagado por uma aflição inexplicável, desde que comecei a escrever, o fiz disposto a abrir o coração. Dar uma de Jesus Cristo e me imolar por todos nós, homens. Morrer (atenção que é metáfora, se acontecer algo comigo não usem esse texto como carta de adeus) para libertar a todos de seus pecados. Ou, no caso, sonhos. Jogar a dádiva no ventilador! Ainda agora, nas últimas linhas do derradeiro parágrafo, brilham as teclas capazes de revelar o secreto desejo dos homens. Vou ao sacrifício na esperança de que a amada me atenda, constrangida pelo testemunho dos leitores? Ou me calo outra vez? Força: desde a primeira hora do dia, estive com a impressão de que era agora ou…

4 comentários em “Número 361”

  1. Rubem, mas que maldade!Consegues, com teu palavrório bem construido, fazer com que nossa curiosidade cresça até o ponto de se ter de trancar a respiração e conter os olhos para não chegar de uma vez à última linha…
    E aí nos dás uma rasteira. Cuidadoso como és, sei que não deixaste a crônica incompleta. E mesmo pura maldade!
    Jussara

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