Número 389

NOEL, ADONIRAN E GARDEL

Rubem Penz

Quem é você, que não sabe o que diz?

Meu Deus do céu, que palpite infeliz…

Noel Rosa

Este ano, eu, o violonista Maurício Marques e o cantor Dudu Sperb fomos selecionados para Circuito Arte Sesc – Cultura por toda a parte, promoção do SESC/RS. Juntos, formatamos um espetáculo cujo objetivo é resgatar um pouco da vida e da obra de dois grandes mestres da Música Popular Brasileira (MPB) – Adoniran Barbosa e Noel Rosa. Ambos completam centenário de nascimento, motivo mais do que razoável para fazer subir o interesse do público e, claro, dos agentes encarregados pela divulgação. O comparecimento tem sido excelente, o que muito nos honra e alegra.

Desde o princípio, nosso trio esteve diante de um terrível dilema: com tantas e tantas músicas dignas de registro, qual escolher? Ou, melhor (digo, pior): quantas magníficas deixar de fora… Somente Noel, com suas mais de trezentas canções, preencheria umas duas horas a fio sobre o palco. Com Adoniran o quadro é semelhante, acrescida a garantia de participação do público cantando junto. Mas a solicitação era de uma hora de show, com um “chorinho” de vinte minutos, e olhe lá.

A solução foi pesquisar detidamente a biografia dos compositores para, em um roteiro justíssimo, coser numa só trama os amores, dores e alegrias com a obra poética, trajetória pessoal e legado artístico de Noel e Adoniran. Assim, fazer emergir temas fundamentais, mesmo sem ser tão conhecidos para, com eles, trazer à tona a personalidade dos artistas e o estilo de vida do Brasil da primeira metade do século passado.

Por exemplo: Filosofia, grande sucesso de Noel, cuja letra surpreende ainda mais por ter sido composta em tenra idade, foi a primeira música que João Rubinato (Adoniran) cantou até o fim em um programa de calouros. Logo, o pontapé inicial de sua própria carreira. Por isso, mereceu não só entrar no roteiro, como dar nome ao show. E seguimos com tal critério para Três apitos, Iracema, Saudosa Maloca, Palpite infeliz, Até amanhã etc. Escolhas delicadas, mas conscientes. Como também tudo o que dizer para que o público compreenda a abrangência, profundidade e relevância dos dois compositores.

Claro que, com tantas restrições impostas pelo tempo, Filosofia, canções de Adoniran e Noel vale mais como ponto de partida para quem deseja tomar contato com o legado de ambos. Porém, graças ao talento de meus companheiros, e sem temer a vaidade, nosso trabalho é preciso, acautelado, relevante. Em respeito aos homenageados, jamais cometeríamos a leviandade de subir ao palco com menos do que correção. Por isso, cheguei a ficar perplexo quando, em uma das cidades, nosso motorista veio me confidenciar:

– Olha, uma senhora adorou o espetáculo, mas pediu para avisar que Noel Rosa não nasceu no Rio, não. É mineiro, segundo o que lhe garantira uma amiga de lá.

Não consegui encontrá-la para agradecer a dica. Diria que sim, Noel é mineiro. Adoniran, também. Assim como são eles potiguares, catarinenses, pernambucanos, gaúchos… São filhos do Brasil inteiro, mesmo que um tenha vindo ao mundo em solo carioca, outro em terras paulistas. Suficientemente grandes por seus legados, eles dispensam o mistério e a polêmica de Carlos Gardel, aquele que é reivindicado por três nações.

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