Número 395

NÃO ACHO NADA

Rubem Penz

Quem acha vive se perdendo

Noel Rosa

Nos dias correntes, de superexposição, há quem esteja confundindo dois conceitos muito diversos: a opinião e o palpite. Opinião é (ou deveria ser) resultado de uma análise de conjuntura, um ponto de vista fundamentado. Ou, no mínimo, produto de uma consistente reflexão. Neste sentido, ninguém de bom senso opina sobre o que desconhece, nem que seja por autopreservação. Já o palpite é diferente: ele é uma espécie de aposta. Não por acaso, ao jogar na loteria ou nos cavalos, denominamos de palpite nossa fé no sucesso da aposta. Enfim, quem apenas acha é porque, na certa, desconhece.

Vira e mexe me pedem opiniões sobre temas variados. Acho que são os óculos que, carinhosamente, denomino de inteligência artificial. Outro palpite é o ar de bom moço, centrado, que me persegue ora para o bem, ora só para atrapalhar. Isso não vem de hoje e tem se agravado na medida em que os anos de crônica se empilham em minha biografia – nada mais opiniástico do que este gênero híbrido de jornalismo e literatura. Não me iludo ou envaideço. Afinal, pedem-me opiniões aqueles que, com bom aporte financeiro, compram pareceres, diagnósticos, projeções… Mas, cuidado: jamais acreditem em meus palpites. São todos furados.

Tenho lutado diuturnamente para fugir da tentação de achar coisas. Sou o pior palpiteiro do mundo. Para minha esposa, com quem divido a rotina, venho repetindo um mantra: não acho nada. Ainda mais que, lentinho como sou, demorei quase meia vida para me dar conta de que 80% das perguntas das mulheres são absolutamente retóricas. E o índice sobe para 100% quando se refere à aparência, principalmente ao despirem o quinto vestido. Mas, mesmo nas miudezas da vida, naquilo que pouco influenciará nossa história, erro a mão com uma constância desanimadora. E sofro com as consequências, culpando-me num eterno flagelo interno. Pior: quando, malandro, resolvo contrariar meu palpite, esqueço que ir contra o palpite também é um palpite. Falho igual.

Por exemplo, nessa semana. Vínhamos de um dia escaldante e passamos uma noite abafada. Escutei a previsão do tempo com seu alerta para a chegada de uma frente fria destinada a, primeiro, provocar vento e chuva para, depois, nos ofertar frio e geada. Vinha do Uruguai e da Argentina e mudaria o tempo no decorrer do período. Mas passava das nove da manhã e o sol ainda brilhava no firmamento. A patroa tinha um compromisso profissional e me perguntou se deveria levar um casaco. Indaguei a que horas eu a buscaria de volta. No máximo às duas da tarde, garantiu. Caí em tentação. Não escutei a voz da consciência e seu necessário mantra. Palpitei: acho que não…

Quando ligou para ir buscá-la, pediu para que não me esquecesse de pegar o casaco que eu dissera dispensável. Chovia para cima, para baixo e para os lados. A temperatura descera uns dez graus centígrados quase instantaneamente. O tal período da previsão decorrera correndo. Sua gripe piorara a ponto de ela estar afônica do outro lado da linha. Um desastre aquele meu palpite.

Agora, quer saber a minha opinião sobre o fato? Foi tudo culpa minha. Como contrição, devo escrever cinco laudas em corpo oito: não acho nada; não acho nada; não acho nada; não…

7 comentários em “Número 395”

  1. Tua cronica me fez lembrar do que escutei em um curso entitulado “Gerencia de Conflitos” que participei alguns meses atras, diga-se de passagem apropriado inclusive para a vida familiar Aparentemente pesquisas indicam que apenas 2% de nossas decisoes sao baseadas em fatos enquanto 98% sao baseadas em opinioes (nao me recordo terem mencionado palpites, mas poedriam considerar um palpite uma opiniao infundada?).
    Muita vezes mesmo quando obtemos os fatos nossa opiniao nos faz tomar uma decisao contraria ao que os fatos atribuiriam. Isso porque tambem na formacao de uma opiniao a carga emocional eh extremamente decisiva e (interessante) varia tremendamente de cultura para cultura.
    Tenho varios amigos aqui que estao retornando ao Brasil. Um deles (um casal) vive aqui a ja pelo menos 20 anos). Mesmo quando confrontados com os fatos dos desafios que terao que enfrentar ao retornarem ao Brasil ainda assim estao com a opiniao formada de que devem retornar. Eh o coracao falando, apesar da previsao do tempo…

  2. Paulo Henrique, Sim, palpite é uma opinião infundada. Quando não temos nenhuma evidência sobre algo, zero certeza, e mesmo assim “achamos” isso ou aquilo, só a sorte pode ajudar. Poderá ser o caso dos teus amigos. Mas, quando dizes que escutam “o coração”, bom, aí temos um fator importante: eles sentem que devem partir. Pode ser não palpável, porém já é uma evidência… Abração, Rubem

  3. No caso dessa crônica, amigo Rubem, não tenho nenhum palpite, tenho uma opinião muito concreta: é excelente.
    É de ler com gosto e saborear da primeira à última linha. E aqui, acho que ouso dar um palpite – deve ficar entre as tuas melhores já escritas. Parabéns!
    Um abraço,
    Carmen Macedo

  4. Jussara Lucena

    Ola, Rubem,
    Excelente, tua crônica!
    A respeito de opinião, certa vez me chamaram “dona da verdade” porque não me contentei em dar, também justifiquei. Para muitos é imperdoável.
    Atualmente só opino para os filhos. E apenas quando julgo absolutamente necessário (mesmo sabendo que em geral entram por um ouvido e saem pelo outro.
    Quanto a ter de mudar de opinião ou mesmo de palpites, sem problemas. Quando me engano, roubo as palavras de um bom amigo: “não tenho compromisso com a coerência.”
    Abraço,
    Jussara

  5. Ah, Jussara! Boa observação! E, imagina, se ninguém precisa ter medo ou vergonha de mudar de opinião, quando o caso é palpite, então, nem se fala!
    Beijão, Rubem

  6. Ah, Jussara! Boa observação! E, imagina, se ninguém precisa ter medo ou vergonha de mudar de opinião, quando o caso é palpite, então, nem se fala!
    Beijão, Rubem

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