Pequeno Prêmio de Monza

Rubem Penz

Retornava para casa no começo da noite por uma grande avenida quando uma cena roubou minha atenção. Começo pelo contexto: moro na região metropolitana de Porto Alegre e, sabe-se, a idade da frota de automóveis tende a ser mais variável na medida em que avançamos rumo ao arrabalde. Assim, não é incomum estarmos ao lado de Opalas, Escorts, Fuscas ou Chevettes no mesmo leito asfáltico daqueles zero-quilômetros. Alguns idosos bem conservados, vintage, lindos. Outros, nem tanto.

Por exemplo, o Monza duas portas – na fila do meio do semáforo – restava muito, muito deteriorado. Desconfio que não passaria por uma renovação de licença de rodagem caso elas fossem feitas (esse é outro assunto). Mas, antes do carro, chamou minha atenção o olhar da moça sentada ao lado do motorista. Ela mirava severamente para trás, com a cabeça para fora da janela, como se tivesse perdido algo. Mas, não: notei que analisava o movimento das motocicletas para poder abrir sua porta – o que logo fez. Desembarcou, fechou a porta e começou a empurrar o carro na direção da minha pista, tudo a menos de um metro de distância de mim.

Uma mulher morena, cabelos médios e ondulados. O vestido preto de alcinhas deixava as costas nuas. Moça bonita como Sônia Braga de Gabriela e, também como ela, miúda. Pude ver o retesar de sua musculatura em detalhes como quem assiste o close numa atleta olímpica. Sozinha, antes mesmo de eu me dar conta do que acontecia, pôs o automóvel em movimento. Havia um rapaz irritado no volante e alguém no banco de trás (não vi se era homem ou mulher). Sem poder retomar o fluxo normal, notei que o motorista tentava fazer o carro pegar “no tranco”. No instante em que eu trocava de pista penso ter visto conseguirem.

Fiquei muito impressionado. Não deveria. Vinte segundos, se tanto, de manifesta demonstração de protagonismo e força. “Empoderamento” na marra. Os habitantes dos simbólicos castelos onde estou vivem debatendo questões de representatividade e gênero. Certíssimo, necessário, justo. Além dos muros deste principado, porém, o poder, o protagonismo e a força já trocaram de mãos faz tempo. São mulheres que sustentam a casa e aguentam o tranco. Não são iguais, não: são melhores. Por isso meus aplausos. E por isso apanham – lamentável ser a submissão, para muitas, prêmio de consolação. Velhacos machistas não passariam por licença de coragem, caso fosse verificada (esse é o assunto).

Crônica publicada no Metro Jornal em 29.08.2017

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