Uma fábula de botequim

Rubem Penz

Numa etérea sala de reuniões por vídeo conferência, o executivo de marketing da multinacional pediu um particular com seus dois melhores vendedores – campeão e vice. Em sigilo. Então, ofertou apenas aos dois a exclusividade de venda do novo aplicativo. Chamava-se Oráculo. Se baixado no smartphone daria, em tempo real, uma resposta com 100% de certeza sobre uma questão que o cliente tivesse. Além do mais, intuiria uma dúvida e mandaria uma mensagem perguntando se ele desejaria ser informado e, uma vez instalado, permaneceria questionando para sempre.

Porém, impôs uma condição: ao invés de ganharem comissões na venda, um deles receberia valores se o cliente apertasse o botão “sim, quero saber”, enquanto o outro, o “não, obrigado”. Disse ao campeão:

– Você tem a prioridade. Escolha seu botão.

– Posso pensar? – respondeu ele.

– Não, infelizmente. Passo a primazia ao nosso vice-campeão.

Ah, sem a menor sombra de dúvidas, este escolheu o botão do sim. Encerraram a reunião e, cada um com seu ânimo, partiram para o trabalho. Como desejado, a procura pelo Oráculo foi espantosa, e o faturamento do vice-campeão de vendas, imediato.

Já na primeira reunião, os dados impressionavam: os clientes inquiriam sobre tudo ao Oráculo, todos pressionando o botão do sim. Igualmente, quando o aplicativo intuía uma vacilação e mandava uma pergunta, era sim. Foi quando o executivo disse ao líder:

– Estimo que em 10 segundos o vice-campeão ultrapassará você em resultados. Esta é a última chance: quer trocar de botões com ele?

A resposta foi um “não” sem vacilar. Para a alívio do colega oponente.

O que aconteceu em poucos dias, no entanto, foi uma estranha reversão de expectativas. A franqueza do Oráculo e seus inabaláveis acertos começaram a perturbar a clientela. Se, por exemplo, num primeiro momento queriam saber qual time ganharia antes de começar um jogo, depois passaram a apertar o “não” para a mesma questão do aplicativo. “Ela vai sair comigo?”, um dos campeões das noites, seguiu o mesmo passo, tal qual o “Vou ganhar na loteria?”, pergunta feita logo antes da aposta. Por algum misterioso motivo, as certezas do Oráculo perderam terreno para um mundo capaz de surpreender.

Quanto ao ex-campeão de vendas, ele rapidamente voltou ao topo do pódio. E, graças a suas dúvidas sobre o êxito do Oráculo de bolso, aposentou-se com uma renda vitalícia. Viveu, enfim, de esperanças.

Crônica publicada no Metro Jornal em 12.07.16

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