A maldição da margem do rio ou lago

Rubem Penz

Reza a lenda que a nação Inca, antes de se estabelecer para os lados do Oceano Pacífico, habitava o Paralelo 30, distante do Atlântico uns 100km. Almejando evoluir, projetaram erguer sua primeira pirâmide às margens de seu rio ou lago (entre os incas não havia consenso), num dos morros circundantes. Porém, depois de passarem cinco séculos brigando para definir o melhor desenho, cada imperador pensando de outro jeito, decidiram migrar com medo de alguma maldição. Longe, experimentaram harmonia e prosperidade, vindo a ser destruídos apenas com a chegada dos espanhóis.

Outra informação obscura relata a viagem de um certo rapaz chamado Gustave Eiffel para o Brasil. Ele se apaixonou por uma encantadora cidade ainda provinciana inaugurada por casais açorianos. Então, ofereceu ao poder municipal uma ideia que tivera: a construção de uma torre de aço autossustentada, gigantesca, monumental. Uns se entusiasmaram, outros se ofenderam com o entusiasmo de uns. No fim, boicotaram o projeto, aproveitado de segunda mão num concurso em Paris. Eiffel, inconformado, chamou o artista plástico Frédéric Auguste Bartholdi e propôs ofertarem uma estátua grandiloquente para ser erguida numa das ilhotas do rio ou lago (ainda não havia consenso). Mal Frédéric desceu do navio com seus croquis, já foi dissuadido pelas circunstâncias belicosas – ele era “de fora”. Para não se perder, o plano foi aplicado em Nova York.

Também soa como mentira – mas toda mentira esconde uma verdade – que um tal Augusto Ferreira Ramos, engenheiro, ouviu de um porto-alegrense o sonho de construir um teleférico aos moldes suíços para unir o Morro Santa Tereza ao Morro São Caetano, oferecendo à cidade uma privilegiada vista para o rio ou lago (eternamente sem consenso). Voltou ao Rio de Janeiro, comentou num bar e, imediatamente, amealhou financiadores para fazerem lá na Urca. E diz que há a pouco uns arquitetos malucos chamados David Marks e Julia Barfield, hospedados com vista para o Guaíba, vislumbraram uma roda gigante no Pontal do Estaleiro: “O Olho de Porto Alegre”. Citadinos quase os jogaram da janela – nascia a ideia da London Eye.

A última história inacreditável que versa sobre as margens do rio ou lago (um dia haverá consenso?) é a do projeto de revitalização do antigo cais do porto, com extensão até o Gasômetro, capaz de transformar a paisagem urbana de Porto Alegre. Parece até lenda urbana, mas sua implantação segue boicotada. Talvez a capital gaúcha precise de um exorcista. O duro será o místico, contratado por convite ou licitação, concluir sua reza…

Crônica publicada no Metro Jornal em 28.04.15

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