A outra face da esperança

Rubem Penz

Você conhece este roteiro: há um conflito de grandes proporções, o qual pode abarcar cidades, países, reinos, planetas, civilizações, eras, o universo inteiro; convicções políticas e construções morais; fé em um ou mais deuses, os próprios deuses, Deus acima de todos e, ao cabo, tudo se resolve numa lutinha. Milhões de dólares e dezenas de anos investidos em um plano maquiavélico de dominação, e o êxito é decidido no tapa. O surgimento de uma raça ou espécie superior e sua preponderância – ou supressão – selada por um soco, uma voadora, o perfurar de uma espada, um tiro na testa (ou no equivalente à testa nos seres mais esdrúxulos). Pense nas tantas aventuras que você leu ou assistiu no cinema e constate: no clímax, há um duelo.

Desde a primeira vez que eu me dei conta disso, investi algum tempo na investigação dos motivos. Várias foram as hipóteses. Primeiro, pensei na máxima de repetir o que deu certo: desde a antiguidade as narrativas apontam para o embate como modelo de resolução, logo, isso rende bilheteria (abriu-se uma exceção interessante nas comédias românticas, mas isso é outra crônica). Depois, imaginei no poder de síntese que um pugilato carrega: estabelecida a dualidade, quem beijar a lona perde a razão – uma derrota e estamos diante da Derrota. Nota-se que transitei entre o plágio e o inconsciente coletivo, passando por diversas nuances, na esperança de explicar a coincidência. E muito recentemente, agora mesmo para ser exato, associei essa constância narrativa justamente à esperança.

Antes de concluir o raciocínio, algo deve ser esclarecido: sou um militante da conhecida “paz dos miúdos”, isto é, creio na mediação dos conflitos com base em bons argumentos e consensos razoáveis. Quase nunca troquei socos durante a vida exatamente para ter um “durante a vida” para usufruir. Porém, não foi uma ou duas vezes que desejei, no fundo da alma, bater em alguém com o ânimo que intuo possuir para casos de emergência. Meu alívio: a eloquência tem dado conta… Retorno:

Surpreendido, associo a bestialidade da luta corporal ao nobre sentimento da esperança porque o tapa está ao alcance de nossas mãos. É a capacidade de devolver a ordem das coisas ao concreto, ancestral, íntimo, quase lúdico que almeja, enfim, alentar. As histórias mostram que não importa o tamanho e a desfaçatez da vilania – alguém será capaz, n’algum momento, de dar um para-te-quieto e reverter as coisas. A valentia dos poderosos se dissolve no mano-a-mano, quando até um pacífico miúdo pode reagir com insuspeitada coragem.

Creia: nossa esperança acua o torpe, enquanto torpor o fortalece.

Crônica publicada no Metro Jornal em 28.03.17

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