As irresistíveis perdições da juventude

Rubem Penz

Quase sempre que escuto frases de tipo “nossa juventude está perdida”, quem diz está perdido da sua e tenta conseguir comigo o consolo da solidariedade. Em vão. Além de cultivar uma boa dose de crença na juventude em geral, encontro máquinas do tempo a todo instante e volto ao passado para, assim, ser jovem outra vez. Absolutamente sem ilusões: minha madureza é irrevogável. O drible é inundar os sentidos de recordações e, com elas, reconstruir no presente a criança e o adolescente que já fui para o convívio simultâneo.

Exemplo prosaico, ainda que ilustrativo: esses dias minha filha caçula anunciou que iria fazer umas compras no minimercado da praia, pegou a bicicleta e partiu. No retorno, guardou uma sacola na despensa a qual foi, para mim, sem que ela suspeitasse, uma dessas máquinas do tempo. Ao buscar o pote de biscoitos atrás da sacolinha, não resisti e a levei para perto do rosto. Respirei fundo. A mistura de aromas da miscelânea de balas, drops e chicletes ali contidos resultou em um salto de muitas décadas no tempo. De pé, na cozinha, estava o menino que outrora teria feito, se não as mesmas escolhas, uma compra com idêntico resultado para o olfato.

Ah, nossa juventude está perdida. Mesmo com tantas informações nutricionais, de médicos e dentistas, continua consumindo porcarias. Ainda bem, digo eu! O adulto consciente e responsável que sou abasteceu a casa com o que dele se espera: frutas, legumes, arroz, feijão, carne, ovos, macarrão, café, pão, leite, frios, biscoitos… Montou cardápios vindouros, pensou que não poderia faltar guardanapos ou produtos de higiene e limpeza. Fez entrar em casa sacolas e mais sacolas de compras e nenhuma – absolutamente nenhuma! – perfumada como a da filha. Precisei encher os pneus da bicicleta para que a falha fosse corrigida por alguém com mais lucidez.

Eternizar-se na meninice é falha grave. Também é um equívoco pensar que as prioridades das crianças e adolescentes serão as mesmas com o amadurecimento, julgando-os um caso perdido. Enquanto pais ensinam filhos a serem adultos, eles oferecem constantes reencontros com o passado. Se cremos em nós, em nossa capacidade de tomar decisões e gerenciar a vida, não há motivo para duvidar deles. Basta entrar na máquina do tempo e olhar, de modo isento, para nossas escolhas e comportamentos de outrora. Deixar-se inundar de sensações. Além de surrupiar, sorrateiramente, uma bala da sacola mais perfumada do armário. Isto é, sucumbir às irresistíveis perdições da juventude.

Crônica publicada no Metro Jornal em 06.01.15

gostou? comente!

Rolar para cima