Muitos anos e dois meses sem fumar

Número 509

Muitos anos e dois meses sem fumar

Rubem Penz

Acompanho com interesse, torcida e alegria as notas positivas que amigos postam nas redes sociais. E uma das minhas favoritas é a de que o noticiador superou o vício do tabaco. Sei bem o quanto isso é bacana quando faço as contas: caso meu pai tivesse morrido aos 40, como quase aconteceu, eu teria perdido 30 anos de aprendizado, convivência, carinho e parceria com ele. Com certeza eu seria alguém menos feliz e realizado. Devo muito à decisão tomada por ele, cumprida com coragem e eficácia: parar de fumar.

Hoje mesmo (aquele hoje de quem escreve, não necessariamente de quem lê), um grande parceiro compartilhou sua alegria: dois meses sem fumo. Dito assim parece pouco tempo. Porém, para quem esteve durante longo período enredado nas tramas da dependência química e psicológica do cigarro e de seus assemelhados, é bastante. Uma espécie de nascimento. Lembro-me bem dos filhos: primeiro aniversariaram a cada dia. Depois uma vez por mês e, só a partir dos dois aninhos, ano a ano. É assim com a liberdade.

Mas ainda tenho um número a mais que pode ajudar aos recém não fumantes: digamos que se tenha começado com essa insensatez aos míseros (absurdos) quatorze anos de idade. Está, assim, completando quatorze anos e dois meses sem tabaco. Caso tenha começado aos dezoito, dezoito anos e dois meses, e assim por diante. Essa conta é importante para mostrar para o próprio ex-fumante que em uma grande parte de sua vida o cigarro esteve de fora, sem fazer a menor falta. Logo, para adiante será assim também. Basta perseverar.

Compreendo que não é fácil. Meu velho pai dizia, por exemplo, que às vezes sonhava que estava fumando e isso era sinal de saudade… Bom, se é assim, eu teria saudade de voar, de cair de penhascos, de pisar em formigueiros, de ficar paralítico, de namorar a… – bom, vamos ficar apenas em sonhos confessáveis. Ele sonhava que estava fumando porque uma boa parte da vida isso aconteceu, nada além. Aliás, se pudéssemos controlar os sonhos, recomendaria esse com muito entusiasmo: cigarro onírico não causa câncer.

Recorrer a números de entidades especializadas nos deixa perplexos: segundo um estudo do ano passado, sob a tutela da World Lung Fundation (WLF), ou fundação mundial do pulmão,  se a tendência atual continuar, um bilhão de pessoas morrerão pelo uso do tabaco e pela exposição ao cigarro neste século – uma pessoa a cada seis segundos. Pior do que a chacina do trânsito, do que as guerras civis e militares, pior mesmo do que o consumo e a violência do tráfico ilegal de entorpecentes. Se viver é um perigo constante, viver na companhia do cigarro é bem mais arriscado.

Por isso lanço mão deste pequeno e precioso espaço da crônica para apelar aos jovens: não comecem a fumar. Apelar aos fumantes: parem já – é possível. Apelar aos familiares: se há amor, não deem trégua ao fumante enquanto ele não largar. Apelar aos comerciantes: jamais vendam cigarros para menores de idade. Apelar aos governantes: sejam efetivos em suas campanhas. Apelar aos médicos e terapeutas: ajudem a diminuir o sofrimento. Apelar aos amigos: noticiem, sempre, seus êxitos. Viva o aniversário de liberdade!

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