Notas fúnebres e musicais

Número 451

Rubem Penz

Jazz died in 1959

Nicholas Payton

Teria mesmo morrido o Jazz? Ao menos é isso que apregoam alguns músicos mais puristas, estudiosos e consagrados. Mas o que dizer do Tango? Ou do Choro, da Rumba, do Blues, do Rock? (a lista pode ser numerosa) Bom, se o Jazz nos deixou em 1959, tese do trompetista Nicholas Payton, e os demais movimentos anos antes ou depois por extensão de raciocínio, o que nós, artistas, estaríamos fazendo sobre os palcos? Depois da morte, até onde sei, vem o silêncio. E silêncio não há.

Observo que o filosófico tema de vida e morte nas manifestações artísticas rende vastíssima pauta. O pessoal adora digladiar sobre quando nasceu ou morreu determinado estilo, quem foi o pai, a mãe ou o médico que assinou o óbito (depois de receitar tranquilizantes além da conta…). Também quem embalou seu crescimento, com quem se relacionou e se deixou descendentes legítimos ou bastardos.

A Bossa Nova, por exemplo, alimenta uma farta polêmica sobre sua paternidade. De acordo com Ruy Castro, o verdadeiro pai da música é o pianista Johnny Alf. O senso comum – ou um lobby melhor construído – jura que foi o João Gilberto a fecundar a batida e gerar os primeiros acordes. Um frágil consenso paira sobre o dia e local do parto: teria ocorrido nos estúdios de gravação do álbum Canção do amor Demais, de Elizeth Cardoso. O que nos remete a Tom & Vinícius, outros implicados na fornicação. Além desse pessoal citado, pode-se, fácil, elencar mais dez, vinte candidatos… Aliás, como sempre acontece quando o filho é bonito.

Voltando ao Jazz – e ao passamento – teria o estilo morrido de causas naturais? Suicidou-se prevendo que o então pequeno Kenny G, mal saído das fraldas, aprenderia saxofone? Ou seriam novas correntes de criação a sufocar o Jazz, tomando toda a atenção? Na lógica, podemos inscrever a Bossa Nova como candidata à asfixia, lembrando que ela nascera em 1958, véspera do suposto óbito do outro. Uma quarta hipótese pode defender que nem o Jazz, nem o Elvis, morreram de verdade. Um vive incógnito em Memphis, ganhando a vida como imitador de si mesmo (e longe de ser o melhor). O outro segue saudável em New Orleans, íntegro e altivo no Bairro Francês. Cobrando-me visita, inclusive.

Sem almejar o peso da razão, minha teoria é a seguinte: morreram de verdade o momento e a circunstância que fizeram nascer o Jazz (e o Bolero, a Milonga, a Marcha Rancho, o Frevo…). Aí estão pai e mãe. Os músicos da época foram aqueles aos quais a notícia chegou, cumprindo a função de propagá-la. A magia do artista é ser capaz de compreender o recado; seu valor é dominar a técnica que permita transmitir o recado; seu sentido de vida será o de cumprir tal missão. Porém, nascido o estilo (a vertente, a batida, o movimento), mesmo tendo falecido os pais, o próprio seguiu fecundando novas almas e mentes. O Jazz não morrerá jamais porque ele mesmo trata de sua sucessão. Já não é mais filho: agora é pai e avô. Também é mãe. E pariu com sucesso, quem diria, até o Kenny G…


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2 comentários em “Notas fúnebres e musicais”

  1. Maninho, na verdade já conversamos bastante sobre o tema. O texto do Nicholas Payton, em seu blog, parece um desabafo de alguém que sofre com as agruras de uma música fora do mainstream do entretenimento de massa. Mas isto é arte. E além disto, muitos músicos fazem sua vida nos festivais de “Jazz” (ué, não estava falecido?), que ainda ocorrem, em profusão, mundo afora, em especial nos EUA e na Europa, dentre os quais, o próprio Nicholas; ou seja, se por um lado, o rótulo é um fardo, também não deixa de abrir portas. Pode-se discutir se o que se toca nestes festivais é mesmo “Jazz”, mas ainda é lá que os verdadeiros jazzistas ganham e sempre ganharam algum dinheiro, visto que discos de jazz nunca venderam em proporções significativas. No seu blog, ele diz que não toca mais “jazz”; toca “Postmodern New Orleans Music”. Bem, acho que terá difculdade de achar “Postmodern New Orleans Music Festivals” além do quintal da sua casa.
    E se o jazz realmente morreu em 1959, o que foi o “A love supreme” de 1963 ? Ou grande quinteto do Miles, da década de 60? Ou tudo o que foi gravado pela Bluenote? Ou o que hoje faz o Brad Mehldau?
    Sempre gosto da afirmação de que Jazz era um substantivo que virou um verbo. Hoje é muito mais uma forma de abordar a música – cuja base pode ser o velho swing, ou música indiana, ou música brasileira, ou funk, ou rock (!), etc – do que um gênero.
    E finalmente, é uma ilusão acreditar que o Jazz já foi parte do mainstream. Mesmo antes de 1959, e mesmo no auge do bebop (na década de 40), ele sempre foi “marginal”. Antes disto, houve a época das big bands, quando os clubes aborrotavam de gente dançando o “swing-jazz”. Isto sim é passado. Sem tirar o mérito; pelo contrário: na minha opinião, mil vezes aquela “fase de ouro”, do que o bate-estaca hipnótico movido à êxtase, que ouve-se nas “raves” de hoje em dia. Mas esta, claro, é só a minha opinião; não a da “gurizada”.

    Abraços
    Zepa

  2. Zepa,
    tua opinião bem orquestrada deixa claro que o tema já foi bastante discutido por ti e colegas de chats. Tudo muito bom. Mas, de tudo, o melhor é ficarmos imaginando o cartaz do “Red Bull Postmodern New Orleans Music Festival”! Isso soa muito mais “Pós morte” do que outra coisa!
    Grato, abraços, Rubem

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