Número 283

O AMANTE DE LULI

O mal silencioso chamado ciúme nasce na cabeça, tal e qual o par de aspas (quanta ironia). Porém, há quem julgue que ele brota no coração. Consenso mesmo é o de que, para prosperar, ele se alimentará do adubo produzido pelas entranhas do ser. Assim, tanto faz se a pessoa amada dá ou não motivos para que o outro tenha ciúme: dependendo da profundidade de suas raízes, muito mais porcaria o sustentará. Este parecia ser o caso de Amadeu. Certo de ter sua bela mulher assediada, e desconfiado de que ela correspondia a tais apelos, decidiu agir.

Em segredo, Amadeu montou uma página em um site de relacionamento como sendo ele próprio a sua esposa. Luiza virou Luli, apelido íntimo dos tempos de namoro. Alimentou o perfil com fotos verdadeiras e fez questão de ser o mais fiel possível em todas as informações, exceção feita ao campo do estado civil, deixado em branco de propósito. Caprichou na descrição da mulher. Criou um e-mail específico para contatos, com o qual passou a trocar mensagens em nome dela. Luli fez amizades instantâneas e, de modo incriminatório, logo atraiu um suposto ex-colega de escola no grupo. Rogério, o seu nome. Ele a chamou de Lu, demonstrando ter bastante intimidade. Luli, digitou Amadeu: agora sou Luli.

O homem tratou de colher informações sobre a relação de Rogério e Luiza com a própria, enquanto aproveitavam o domingo de sol para caminhar no parque. Ele era um menino muito doce, segundo lembrava, mas um pouco tímido. A amizade entre os dois ficara prejudicada com a partida da família do rapaz para Pernambuco. Uma pena.

– Mas de onde você conhece o Rogério, afinal? – quis saber Luiza.

– Ah, sabe como são essas coisas… – disse Amadeu de modo evasivo – quando menos se espera aparece alguém conhecido.

De volta para a sala de bate-papos virtual, Luli perguntou se a família de Rogério continuava em Recife. Retornaram, é? Veja só: moravam na mesma cidade outra vez. Ah, desde os tempos da faculdade? Nos encontramos na época? Nossa, é mesmo, que cabeça! E no fim, você é? Urologista… Meu Deus, tem gosto para tudo! E por que ainda solteiro? Gay, confessa! Por que não? Imagina, a julgar pela foto, e por ser tão bem sucedido, duvido que faltassem interessadas. Eu? Eu não quero falar sobre isso, não agora. Gosto de ser secretária executiva: menos glamouroso do que parece, mas o salário compensa. Trilingüe – não leu meu perfil? Adorou a foto, é… Bobo! Vou trocá-la, então!

Aos poucos as suspeitas de Amadeu se confirmavam: Luiza fazia amizades muito facilmente para jamais ter um caso extraconjugal. Vivia cercada de homens, também. E agora esse tal de Rogério, aparecido por encanto dos tempos de escola. Precisava saber até onde isso poderia chegar. Permitiu que a troca de mensagens entre Luli e Rogério rumasse para o lado afetivo, deu linha ao Casanova do ginásio e puxou o anzol: marcaram o encontro em um motel.

No dia e hora certa armou campana defronte ao local escolhido. Desastre! O tal Rogério apareceu de verdade, dando materialidade ao ciúme que todos diziam infundado. Ele parecia bem mais forte do que sugeria a foto que mandara pela internet. Seu carro, também, era um espetáculo. Quisera Amadeu ter dinheiro para dirigir um desses… Ainda por cima era paciente, pois entrara pontualmente e aguardava por Luli há mais de meia hora. Quanto mais o tempo passava, mais nojo sentia da mulher: o que ele estaria esperando fazer com ela? Aposto em coisas que Luiza se nega a fazer em casa, delirava num misto de raiva e excitação. E, acariciando o cano de sua arma, planejava em voz alta:

– Mas uma hora o calhorda vai sair por aquela porta. Aí quero ver o quanto ele é homem com meu trinta e oito enfiado na boca!

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