Número 365

UMA HISTÓRIA DE AMOR

Padeiro de ofício, ele deixava a cama na madrugada para dar forma ao perfume nosso de cada manhã ‒ pão francês quentinho. Tinha o cabelo moreno, levemente ondulado de tão farto. Olhos escuros como o carvão, pele um pouco tostada. As mãos fortes e o sorriso jovial e confiante, atributos capazes de superar as agruras do trabalho árduo, imediatamente chamaram a atenção dela. Então a moça, dona de caprichoso pomar, adicionou uma quadra ao trajeto pelo qual, cotidianamente, levava uma cesta de frutas ao pároco da Matriz ‒ tudo para cruzar diante da loja de pães.

A jovem era linda como uma eterna primavera. A beleza saltava discreta ‒ mas sensualmente ‒ pelas poucas fendas do vestido sempre muito claro. O cabelo se mantinha domado em um rabo de cavalo e voava para a esquerda e para a direita no deslocar brejeiro. Sua tez, macia como o pêssego e rosada como as maçãs, trazia convite de morangos frescos. Os olhos, de tom esverdeados, lembravam uvas brancas; e a boca, quase vermelha, cintilava como uma cereja. Diante da padaria, o pescoço pendia como galhos ao vento, espichando a vista.

Compreendendo o recado do insistente olhar, o padeiro adiantou-se em aguardar a moça na calçada com sua melhor oferta: trocar dois pãezinhos por uma das laranjas da cesta. Ela, subitamente tímida, recebeu o mimo, agradeceu e sumiu pela esquina em passo apressado. Isso no primeiro dia, pois, dali em diante, ela já vinha fagueira, tendo sua fruta em mãos, brilhante como o sorriso. E, com o passar do tempo, deixava a frente da padaria com um número cada vez maior de pãezinhos, ainda quentes e crocantes. Então, ela abocanhava a delícia diante dele, gemendo de prazer, antes de sair correndo para a igreja.

Um dia, de surpresa, apareceu um cliente novo na padaria. Alguém de fora da cidade, com certeza. E levou um número considerável de pães, afetando a previsão do comerciante. Temendo deixar muitos clientes desatendidos, o padeiro recusou, embaraçado, a oferta da suculenta laranja de sua amada. Explicou o ocorrido, lamentando não poder abrir mão de um só pão para venda. Ao mesmo tempo, não queria aceitar o presente sem oferecer sua contrapartida. A dona do pomar seguiu o caminho batendo os pés ‒ considerara o gesto como uma ofensa. Da esquina, ao ouvir um até amanhã desenxabido, atirou a laranja no padeiro.

Nas manhãs seguintes, o caminho para a Matriz seguiu a lógica do menor esforço. Desesperado, o padeiro mandou entregar um pacote de presente na casa onde morava o pomar: cinco pães e uma flor. Foi assim durante uma semana, dez dias, um mês, meio ano. Estranhamente, os pães nunca voltavam. Fruta que é bom, não mais aparecia. Mas o jovem padeiro, com a força de suas mãos, mantinha a oferta sem relaxar ‒ tinha fé de que um dia ela voltaria a passar diante da padaria, saltitante, com sua laranja nas mãos e o mesmo sorriso no olhar.

O marido não pergunta a razão de terem à mesa pães tão saborosos sem jamais passarem sequer perto da padaria. Os dois simplesmente saboreiam aquelas delícias sempre chegadas ao alvorecer, trazidas por rapazolas variados pedalando ligeiras bicicletas. No centro da mesa, contumaz, uma nova flor oferece suas cores. O homem também não repara o olhar distante da jovem esposa, mirando aquelas tantas árvores do pátio teimando em florescer e frutificar. O único que conhece a história é o padre, mas guarda segredo de confissão. E já não sabe mais como orientar a penitência para um pecado que sai do forno a cada dia, todos os dias.

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