Número 372

DIA BRANCO

Se você vier, pro que der e vier, comigo
Eu lhe prometo o sol
Geraldo Azevedo & Renato Rocha

Enquanto minha esperança respira por aparelhos na UTI, a cidadania surge com um remédio novo, capaz de retardar sua indesejada morte. Leio no jornal que um grupo de estudantes universitários reuniu-se com vassouras, baldes, água e detergente para fazer um ato de protesto contra a poluição. Como uma “despichação”, limpam a fuligem das paredes do Túnel da Conceição, no centro da cidade, grafando com o branco original: “por uma Porto Alegre limpa”. A polícia, alertada para o fato de que jovens estavam pichando as paredes, chega ao local em tempo de impedir o crime e deter os contraventores. Porém, os policiais constatam a natureza profilática da ação e não só deixam os estudantes livres, como permitem que eles terminem sua mensagem.

Tudo nesta notícia me agrada: meninada com boas idéias, iniciativa, coragem e pensamento coletivo; policiais inteligentes e sensíveis, subvertendo o conceito de truculência que tanto prejudica a corporação; jornalistas ágeis, e, como agora a parede foi lavada, poder público com capacidade de reação. Por algumas horas, a capital gaúcha escutou um coração batendo abaixo dos escombros de incompetência, desrespeito e frieza que soterram as relações humanas nos grandes centros urbanos. Foi apenas um pedido de socorro. Porém, este resgate pontual indica que há muita vida para ser redescoberta.

Se a moda pega, daqui a pouco haverá quem empunhe roçadeiras para escrever numa praça abandonada: mantenha-me! Filme, fotografe e lance na imprensa e na internet. Constrangida, a prefeitura tomará providências. Da mente criativa dos jovens, ainda podem surgir, também, iniciativas para restaurar pontos de ônibus degradados, monumentos depredados, telefones públicos que não mais funcionam, escolas pichadas, sujeira acumulada em terrenos baldios. Comunidades podem, finalmente, encontrar caminhos para denunciar o tráfico de drogas, a prostituição infantil e a inoperância dos hospitais e postos de saúde, por exemplo. O poder público, se não toma a dianteira em ações esperadas pela coletividade, precisará correr atrás, sob pena de ficar ainda mais desacreditado.

Quem imagina que isto é um sonho, uma utopia, não conhece as iniciativas do pessoal da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga e sua Vida Urgente. Um verdadeiro exército de jovens e adolescentes, capitaneados pela Fundação, promove ações criativas, vigilantes e esclarecedoras, visando à prevenção de acidentes de automóvel. O objetivo é evitar que a direção irresponsável, o uso de álcool e de drogas, combinados com a fiscalização pública ineficiente, continuem ceifando vidas de jovens em quantidade absurda pelo país. Cada uma das borboletas pintadas no asfalto, indicando onde um jovem faleceu, traz a todos a lembrança de quanto temos a perder caso a guerra no trânsito não encontre seu fim.

Políticos atrasados e populistas ainda insistem em se vangloriar daquilo que dão ao povo. Cada vez que são confrontados com uma arrecadação de impostos digna de primeiro mundo, combinada com contrapartidas de fazer vergonha a uma nação miserável, rebatem com o discurso de que deram isso e aquilo. Minha esperança sairá de vez da UTI, revigorada e saudável, quando o jovem brasileiro compreender que os gestores públicos nada dão ‒ apenas (no máximo) devolvem. E que a esfera política não concentra o monopólio das soluções nacionais, muito pelo contrário. Uma população protagonista, que faz sua parte, que preserva e fiscaliza os bens públicos, que conhece seus deveres e direitos, é o branco sufocado debaixo da fuligem do Túnel da Conceição. É Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Manaus ‒ todas nossas cidades ‒, bem no fundo, limpas. É o que deveria ser Brasília.

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