Número 379

ONDE ESTÁ A FORTUNA?

Ser milionário é possuir uma mansão. Ou melhor, duas, três mansões. Um palácio? Quem sabe ser dono de uma ilha, ou mesmo de fazendas que, facilmente, poderiam ser confundidas com países europeus pela extensão. Vários apartamentos em Nova Iorque, Paris, Londres, Tóquio… Prédios inteiros nos endereços mais valorizados do mundo. Lá, obras de arte dignas de constar em catálogos de qualquer museu de primeira grandeza. Vistas de cartão postal em todas as janelas. Sim, é possível medir a fortuna de alguém por suas posses imobiliárias.

Por outro lado, milionário que é milionário tem aviões. Pássaros de metal em cujo interior habitam avanços da engenharia (velocidade, autonomia de voo, segurança) e muito luxo. No ar, escritórios, motéis, salas de ginástica, centros de entretenimento. Ou brinquedos caros: jatos esportivos para poucas pessoas e muita emoção. Helicópteros podem ser um bom indicativo de fortuna ‒ nada de estar sujeito às intempéries do trânsito das metrópoles. Automóveis blindados, luxuosos, raros, exóticos… Milionários, quando em quatro rodas, igualmente voam, e isso também pode ser uma noção de ganhos nas alturas.

Porém, um amigo trouxe uma medida muito mais sensível, muito mais sutil e arejada de se descobrir se alguém é realmente milionário. Ela lhe foi confidenciada por um arquiteto ‒ aquele raro tipo de profissional que casa conhecimento técnico com sensibilidade artística. E, magistralmente, ela provém de um gesto prosaico, habitat natural da crônica. Para tanto, me pediu para visualizar a cena:

Passos tranquilos cruzam um lobby deixando rastros de reverberação. Entram em uma sala ampla, cujos ambientes combinam com harmonia o clássico e o contemporâneo. A luz está perfeita e o aroma é de flores. O dono dos passos, seja qual for a hora do dia ou da noite (de qualquer fuso horário do planeta), apanha um copo e ruma certeiro até o balde de gelo no canto da sala. Abre a tampa e, com uma das mãos, retira três pedras de gelo totalmente secas e soltas uma das outras. O tilitar das pedras no cristal provoca um pequeno rufar enquanto dançam. Deseja um drinque.

Quem já guardou pedras de gelo no baldinho, ou conhece um pouco de física, sabe que a natureza conspira contra a cena descrita. Gelo ao tempo, antes de virar água, tende a fundir-se. O verdadeiro milionário conhece leis da física. Mas não imagina que vá molhar os dedos ou precisar escavar da rocha uma pepita translúcida de frescor. Ele é movido pela certeza transcendental de que, dentro de um balde de gelo, haverá apenas pedras de gelo. E há! Alguém, em algum momento, das entranhas da mansão, estará vigilante para que o dono da casa encontre boas pedras de gelo no baldinho. Agora e sempre, sem jamais ser surpreendido por uma insônia da madrugada ou chegada extemporânea. Secas e soltas, prontas para tilitar.

Dinheiro transbordando, posses deslumbrantes, brinquedos caros de gente grande, obras de arte, lindas mulheres… Tudo pode ser falso ou transitório. Escravizador até, na medida em que a ânsia de acumular riquezas seja tamanha que a vida acabe em segundo plano. Também um belo haras, uma fundação no nome do pai, lugares reservados nos restaurantes da moda e nos clubes exclusivos, iates, dependendo da pessoa, serão apenas fardos. Na verdade, na essência, no fundo do fundo, um milionário legítimo é aquele que mergulha a mão em seu baldinho de gelo sem olhar. E lá, não importa onde ou quando, obedientes, estarão pedras secas e soltas. Santé!

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