Torpor

Rufar dos Tambores 521

Torpor

Rubem Penz

Moro faz onze anos em um grande condomínio horizontal e durante a metade deste tempo, pelo menos, estive envolvido de algum modo com sua administração, ocupando um lugar no Conselho Consultivo. Antes disso, já fazia questão de acompanhar os destinos da vizinhança comparecendo nas Assembleias. Mais do que exercer o dever do voto, ofereci minha voz para a busca dos almejados consensos. Porém, no último mês, prioridades particulares e trabalho noturno me afastaram do batente. Esta semana, depois de longos anos, ausentei-me de uma Assembleia. Foi quando algo importante aconteceu.

Quase como uma iluminação, um estado de levitação ou de transcendência, descobri o que faz com que tantos e tantos moradores jamais cogitem comparecer nos democráticos ritos da administração condominial: a paz nascida da ignorância. O que foi decidido? Não sei. Como foi decidido? Não sei. O que será feito? Não sei. Quando será feito? Não sei. Qual o preço a pagar? Não sei. Quem estará encarregado de fazer o quê? Não faço a menor ideia. Melhor: é baixo o risco de que algo prejudicial tenha acontecido, é zero a chance de qualquer trabalho cair para mim. Parece um retono à infância. Isso sim é morar no paraíso!

Mais da metade de nós vive em tal estado de torpor há uma década ou mais. Belos e adormecidos, cuidam de suas vidas da porta de casa para dentro. Permanecem acomodados no conforto da alienação, com os pés apoiados no pufe do descaso, vivendo os dramas das novelas, a brutalidade do esporte e os choques do noticiário. Quando os vizinhos comentam o que aconteceu no último encontro, se for dramático é novela; se for violento, esporte; se for chocante, noticiário. A última coisa é pensar que todo o acontecido faz parte da vida real. Da sua vida. Suposta vida.

Daí para compreender o descaso com os malfeitos que começam nas Prefeituras e avançam até o Planalto é um tapa: quanto menos participamos, opinamos e atuamos, menos dói. Sequer dói: arrancam nossos braços e pernas sem protestos. Decidem por nós sem contestação. Lutam por nós sem respaldo. Cada cidadão, cada vizinho, cuida de seu próprio rabo (e olhe lá). O coletivo que se exploda. Não há garantia alguma que nossa voz ou esforços façam a diferença, mesmo – eis o consenso.

Ainda não sei quanto tempo de prazer ainda vou gozar antes de voltar ao normal. Aliás, ao meu normal. Mesmo assim, a partir de agora serei muito mais complacente com os alienados. Não há como condenar quem opte por, entorpecidos, nada sentir. É muito bom! Mas, reclamar depois, não pode. Aí não é justo.

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