Troca de papéis ao despertar

Metro Porto Alegre em 24.04.2013

TROCA DE PAPÉIS AO DESPERTAR

Filha, se eu precisasse escolher um só momento do nosso cotidiano para dar a você a exata dimensão do que é ser pai, oferecendo tudo o que penso e sinto a respeito dessa condição, não teria a menor dúvida: seria o despertar pela manhã. Desde o seu nascimento (como já acontecera com seu irmão), nunca mais acordei para uma vida no singular, preocupado apenas com as minhas necessidades, prazeres ou angústias. A partir de então e até hoje, abro os olhos para as tantas vidas que compõem a família. E sei que amanhã também será assim.

Parece exagero, mas a paternidade surge nessa instantaneidade mesmo – do dia para a noite. O recém-nascido expulsa a gente da condição de filho, preservada apenas no coração dos (agora) avós, e oferece duas alternativas: ou seremos alguém, ou seremos ninguém. Pai é ser alguém que se ocupa e se preocupa. Alguém que se doa. Alguém com quem se pode contar. Alguém que sabe o que deve ser feito e faz, pois há outro alguém dependente desta iniciativa. Ou, quando não sabe, descobre na medida da urgência dos filhos, sempre maiores do que as nossas. Ninguém escapa dessa.

É por isso que defendo a tese de que o nascimento de um filho tem o magnífico poder de reorganizar a escala de valores: no alto o que é essencial, abaixo o que pode esperar (às vezes para sempre). Também mostra qual o único amor que podemos controlar de verdade: o que ofertamos. Há quem passe a vida inteira procurando o amor em vão, esquecendo-se de olhar para o tanto do sentimento habita nosso interior. Porém, ao ter uma criança nos braços, essa riqueza se mostra plena, transbordante. Vertiginosa.

Na fantasia, se despertássemos invertidos (você no meu lugar), garanto que já viria a primeira revelação: o dia do pai – e é claro que tudo isso também vale muitíssimo para a mãe – nunca é só seu. O primeiro pensamento traz consigo a preocupação com a felicidade do outro. Também orienta nossas atitudes e opiniões, pois, diferentemente de um cão ou gato (que também são dependentes), com os filhos a relação é de paridade. Vocês nos julgam sem parar. E nos educam e nos punem muito mais do que se possa supor durante a infância e adolescência.

Você pode não ter compreendido tudo, filha, nem outros jovens que porventura acompanharam essas linhas. Mas quem é pai entendeu. Quando estiver de verdade diante dos tantos deveres que os filhos trazem, desde o raiar do sol, verá que nossas cobranças são ínfimas. Você e seu irmão estão no lucro. Capital afetivo a ser investido, quem sabe, nos meus netos.

 

 

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