Número 482
Rubem Penz
Shakespeare me perdoará. Primeiro, pelo trocadilho do título. Depois, pela dessemelhança com sua história, desperdiçando o chiste. Mas juro que isso tudo aconteceu.
Nossa história começa no dia em que a família de Rodrigo chega para morar na vizinhança e, já no primeiro dia, desentende-se com o dono da casa ao lado. Um motivo bobo, a manobra desastrada do caminhão de mudanças, desencadeia uma discussão áspera e o mal está feito. Alheio a tudo, o menino Rodrigo conhece Júlio, ou, como condiz ao amplo porte físico, Julião. Tornam-se amigos.
Por mais que um patriarca reclamasse do outro, ou que erguessem muros mais altos para sequer se olharem, os filhos ficam cada vez mais amigos, a ponto de serem apelidados pelo professor de história, que morava defronte, de Romeu & Julião. O apelido pega e Rodrigo vira Romeu para o bairro inteiro. No colégio, o nome está correto na lista de chamada, mas, de colegas a mestres, todos chamam Rodrigo de Romeu. Romeu & Julião. Inseparáveis.
No começo, Romeu ainda pequeno, a família o proíbe de ir à casa de Julião. O que não adianta em nada, já que os dois ficavam na rua o tempo todo. Na juventude, Romeu desconsidera a ordem e passa tardes e noites do outro lado do muro. Ele e muitos mais: Julião morava numa casa de italianos do tipo acolhedora, com cozinha grande e comida farta – ideal para adolescentes. Promovem festas até tarde, normalmente interrompidas pela polícia (supunham que era o pai do Romeu quem chamava os home).
Bom, quem espera por um romance gay, agora se decepcionará: o que separa os amigos é, primeiro, o Exército: Julião resolve seguir carreira, para decepção do professor, homem de esquerda, eternamente ressentido com a caserna por causa do passado recente. O tiro de misericórdia é dado por Ana, colega de Romeu na faculdade, moça que o arrasta para um bairro distante, onde ele volta a ser Rodrigo. Por fim, quando Julião é transferido para o Espírito Santo, a dupla fica unida tão somente por recordações e raros encontros.
Da última vez que se falaram, e nem faz muito, o assunto foi o passamento do professor. Câncer. A mãe do Romeu e pai do Julião também estavam falecidos. Parece que o tempo e as mortes suavizaram o atrito entre as famílias. Há quem diga mais: que na grande cozinha italiana tem sempre outro prato à mesa, além do da viúva. Coisa de romance… Mas ninguém comenta isso com Romeu & Julião. Não é bom facilitar: aquela outra história termina em tragédia.
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