Crônica do Metro Jornal em 22.04.14
Quantos de nós têm coragem para trocar demorados olhares com estranhos (até então) em busca do entendimento humano, ancestral, generoso? Aquele olhar que não vê idade, gênero, situação financeira, crença religiosa ou política? O olhar atrás dos olhos e que perpassa papéis definidos? Despido, sim; invasivo, jamais…
Quantos de nós têm disposição para saltar, correr e dançar até o limite dos pés e das pernas e dos pulmões para, a seguir, correr, saltar e dançar ainda mais? Depois, exauridos (mas felizes), quantos de nós recuperam as energias num longo e triunfante abraço? Abraço de fazer ninar e dormir também; abraço ofegante e agradecido como aquele trocado no momento depois? Cúmplice no sal da pele, no cio da alma…
Quantos de nós têm audácia para circular de olhos fechados por um ambiente desconhecido, tendo apenas uma fonte de música como parâmetro de sentido? E, fazendo isso, buscar o toque no outro (que outro?), com mãos nuas de malícia por juntas à lateral do corpo? Então, intuir o centro da sala para formar uma só tribo, trocar segredos, vibrar em sintonia harmônica, em paz…
Quantos de nós têm o ímpeto de avançar quando muitos tentam nos impedir? E a quantos é revelada esta força sobre-humana capaz de alcançar o êxito, desde que não se abandone a meta? E ouvir dos oponentes gritos de estímulo ao sucesso, pois a vida não se divide entre vencedores e vencidos, e sim entre vencedores e desistentes? Descobrir-se poderoso e frágil num só tempo…
Quantos de nós têm o desprendimento para assumir-se derrotado, patético, abostado? Para quem a revelação de ser uma majestade nua, denunciada apenas pela ingenuidade da criança, não pesa além do limite dos ombros? Quais os dispostos a chafurdar no sofrimento pessoal e atávico em busca da redenção alheia? Viver em plenitude o Palhaço…
Resposta: vinte de nós! Por isso, obrigado Lia Motta (Brasil) e Ivan Prado (Espanha) por revelarem ser eu alguém capaz de circular, ainda que por instantes (ainda que de visita), pela cena do Palhaço. Obrigado, colegas muito queridos! A coincidência deste curso que fizemos com a data da Páscoa não foi à toa. Todos nós (e dois Renatos!) renascemos.