Vertigem, amor, tempo e cicatrizes

Rubem Penz

Tenho medo de altura. Não um medo severo, paralisante – tanto que até já trabalhei escalando torres de telecomunicações. Minha vertigem combina metade receio, metade ímpeto. O apelo surdo que nasce na borda do penhasco soa como convite ao salto, e isso é o que me apavora. Assim, prefiro estar com os pés no chão. Antes de ser covardia, é apenas o desejo de vida longa. Flerto com a altura, enamoro a planície.

Por falar em namoro, confesso ter medo de amar. Não um medo severo, paralisante – tanto que sempre amei (amo) com plena entrega. Minha tontura combina metade insegurança, metade audácia. O apelo surdo que brota do fosso da alma soa como convite ao mergulho, e isso é o que me apavora. Assim, prefiro estar com o coração apaziguado. Antes de ser covardia, é apenas o desejo de relações harmônicas. Flerto com a loucura, enamoro a tranquilidade.

Já que mencionei a tranquilidade, devo dizer que tenho medo do tempo. Não um medo severo, paralisante – tanto que desafio sua implacabilidade todos os dias mirando ao redor com olhos de menino. Meu cambalear combina metade razão, metade devaneio. O apelo surdo que parte do vazio da ampulheta soa como convite para acelerar descontroladamente, e isso é o que me apavora. Assim, prefiro caminhar de mãos dadas a correr atrás. Antes de ser covardia, é apenas o desejo de nada perder pelo caminho. Flerto com a pressa, enamoro a prudência.

Amor, vertigem e tempo estão condensados e estendidos no excelente “A incrível história de Adaline Bowman”, filme dirigido por Lee Toland Krieger. Na história, a protagonista tem sua aparência congelada nos 27 anos de idade depois de um acidente. Essa quebra nas marcas do tempo incide drasticamente sobre sua forma de se relacionar. Quando um coadjuvante de luxo – interpretado por Harrison Ford – entra em cena, a trama nos defronta com um aparente dilema: qual o amor mais nobre? O vertiginoso e breve, ou o suave e duradouro?

Sobre o filme em si, nada mais direi para não comprometer as boas surpresas da história. A respeito da suposta proximidade com “O curioso caso de Benjamin Button”, acho exagerada: cada qual a seu modo usa a realidade mágica ligada ao tempo para propor reflexões distintas, ainda que relacionadas. Em mim, mais do que a consciência de que sou alguém convivendo com inevitáveis medos, restou a doce alegria de nem sempre me deixar paralisar. No acender das luzes, vi-me arrependido pelo que não fiz na comparação com as cicatrizes riscando o peito. Por fim, quando o tema é medo, Adelaine ensina que os detalhes nos denunciam.  Quando é amor, a vida ensina a ela (e a nós também) que nos detalhes está a redenção.

Crônica publicada no Metro Jornal em 26.05.15

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