Rubem Penz
Era uma vez um menino com um sonho, um lindo sonho. Tão lindo, a ponto de ele ficar com medo de outras pessoas sonharem igual. Então, procurou um renomado mercador e comprou uma gaiola transparente – era garantido de que eles não escapavam de grades de cristal – e aprisionou seu sonho. Porém, mesmo recluso, o sonho teimava em se mostrar. Foi quando o menino voltou ao mercador e trouxe de lá um manto de fios de ouro para cobrir a gaiola – o dono do estabelecimento afiançou que os sonhos adormeciam quando ocultos pelo manto dourado.
E os anos se passaram. O menino virou um rapaz e o rapaz se tornou homem. Por onde andava, levava junto a si a gaiola de cristal coberta pelo manto dourado: seu precioso sonho. Raramente deixava transparecer que escondia algo. Quando, por acidente, dava a entender, ao ser indagado sobre seu mistério, desconversava. Ele próprio pouco ousava erguer a cobertura com medo de, ao despertar o sonho, tê-lo flagrado por outrem. Até que o homem envelheceu.
Era outra vez outro menino com um sonho, um lindo sonho. Tão lindo a ponto de ele ficar com medo de outras pessoas sonharem igual. Então, buscou conselhos com o avô, o mais sábio homem que conhecia. Desejava saber o que fazer com tão preciosa quimera. Ao ver o sonho do neto, ele ficou possesso: quem lhe dera autorização de roubar sonhos alheios? Como assim, roubar, assustou-se o menino, assegurando que havia sonhado aquele sonho. Foi quando o velho trouxe a gaiola de cristal coberta por um manto de fios de ouro e, pela primeira vez, revelou seu conteúdo. Incrível: ambos tinham o mesmo sonho. Um, inerte. Outro, vívido, ensaiando saltar dos pensamentos para a ação.
Nossa!, espantou-se o menino, a vovó sabe que o senhor tem um sonho escondido? Não, ele respondeu. E o papai, ele sabe? Ninguém sabe, disse o velho, cobrindo novamente a gaiola. E o sonho é seu desde quando? Desde quando eu tinha a sua idade, disse o avô com o olhar fugidio. E agora, o que eu faço, indagou o menino, ainda confuso. Ora, guarde bem, disse o velho: compre uma gaiola de cristal e um manto de fios de ouro, como eu fiz. Mas o menino ficou ressabiado: e se eu quiser que ele um dia vire realidade, ao contrário do seu? Ah, meu neto, disse o velho, você parece ter mais coragem do que eu. Então, vá ao mercador e troque seu lindo sonho por um pequeno projeto. Parecerá péssimo negócio. Todavia, apenas os projetos, na troca por um lindo sonho, têm o poder de virar realidade.
Ao se despedirem, o velho considerou, enfim, libertar seu sonho. Mas ele em silêncio, em data incerta, havia morrido.
Crônica publicada no Metro Jornal em 21.07.15