Rubem Penz
E foi quando o primeiro governador estava lá governando tranquilo, e o governo se parecia com um paraíso, e as contas estavam em dia, e o povo estava atendido em suas necessidades, que apareceu a serpente enrolada na árvore proibida. Chamada árvore da usura, suas folhas eram verdes como cédulas. Seus frutos, suaves e doces endividamentos. E a serpente disse que, depois de provar o sumo, o estado poderia crescer infinitamente, distribuir benesses entre os apadrinhados, desviar dinheiro em negociatas, criar castas e privilégios muito além do limite do bom senso para Executivo, Legislativo e Judiciário… enfim, fazer e acontecer. A tentação foi muito grande. E fomos expulsos do éden.
Desde então, cada novo governador nasce eleitoralmente com a chamada “desculpa original”, uma corruptela do conceito de princípio pecado de Santo Agostinho, no qual toda culpa funciona ao contrário, isto é, dívida que absolve. Quando o povo clama por educação, segurança, infraestrutura e saúde, o governador responde que adoraria oferecer isso, mas seria como voltar ao paraíso, algo impensado depois de atenderem à serpente (maléfica justificativa). Agora, com o estado hipertrofiado, corrupto, ineficiente e endividado, resta apenas os esforços para seguir em frente, na lógica do “já estava assim quando cheguei”. Ou, claro, aumentar os impostos, o necessário pedágio do retorno ao paraíso.
O problema é que o povo, quando aceita passar nessa praça de pedágio, descobre que a estrada que supostamente levaria ao éden ainda não foi construída, tipo obras para a Copa. Surpresa: o dinheiro arrecadado no guichê será usado para saciar a gulosa máquina do estado e regar a árvore da usura, cujas raízes só se espalham. E fica escutando o corpo do funcionalismo público a acusar a serpente de ser a única vilã, enquanto a árvore diz nunca ter escondido o galho, isto é, os juros dos tantos empréstimos. No meio disso tudo, o governador do momento apela sem a menor originalidade às desculpas do pecado original.
Mas, e agora, o que podemos esperar? Um milagre? Só milagre mesmo. Vir do horizonte da esperança um messias ungido pelo poder do voto e disposto a podar de vez a árvore da usura. Junto, ele precisará diminuir a fome do estado, cortando privilégios, impedindo saques, priorizando seus fins essenciais. Deverá governar com a mão esquerda estendida aos necessitados e a direita no caixa, controlando a vocação perdulária. Por fim, dar-se conta de que, se não existe paraíso para todos, não é justo que a conta recaia somente para quem vive uma realidade infernal como a do ano da graça desta crônica.
Crônica publicada no Metro Jornal em 04.08.15