Lua de Sangue atrás das nuvens

Rubem Penz

A tela da TV mostrou para mim a Lua de Sangue. Saí para a varanda e vi apenas nuvens. A tela do smartphone revelou para mim a superlua. No meu céu, nuvens. No jornal do dia seguinte, a coincidente superlua com Lua de Sangue resplandeceu em fotos incríveis. Em minha memória, nuvens. Densas e poderosas nuvens. Fenômenos maravilhosos e eventos terríveis podem estar acontecendo a todo momento bem abaixo do nosso nariz (ou logo acima de nossa cabeça) sem que nossos olhos alcancem. Mas, se alguém viu e registrou, mais cedo ou mais tarde chegarão até nós.

Eis a indiscutível limitação daquelas nuvens: elas não tiveram o poder de evitar a superlua, ou mesmo o alcance de escondê-la de todos. O máximo que elas conseguiram foi suprimi-la daqueles abaixo delas. Aliás, o fizeram com a mais absoluta competência – sou prova disso. Estivéssemos em outro tempo, e chegasse a mim o depoimento da enorme Lua de Sangue nos céus do último domingo, eu teria motivos plausíveis para desconfiar. Minha abrangência seria nublada e, nem assim, deixaria de ser pura verdade.

Não à toa utilizamos o termo “desanuviar” para servir como sinônimo de restabelecer a compreensão das coisas. As tais nuvens são incapazes de alterar qualquer realidade que venha a pairar acima delas. Ao mesmo tempo, para quem está abaixo, serão determinantes na visão dos fatos. O céu não é um com nuvens e outro sem elas: é o mesmo céu. A diferença é tão somente a presença ou ausência das nuvens. Logo, a compreensão da realidade jamais será absoluta se minha avaliação é limitada. Mas minha limitação jamais terá o poder de alterar o que está acima dela – não há uma realidade com minha limitação e outra sem ela.

Se tudo parece tão lógico, onde estaria o problema? O problema é que hoje é mais complicado saber quem se beneficia com as nuvens, ou o que mesmo elas escondem. Há quem diga que elas ocultam uma realidade positiva, jamais revelada pela vontade de quem faz fumaça. Outros defendem a tese de que a realidade é muito pior do que se supõe, e oportunas nuvens embaçam nosso julgamento. E, afinal, no que eu acredito?

Eu creio estarmos submetidos a pesadas nuvens, assim como no domingo à noite em Porto Alegre. Isso não é pouco: ter a noção de só alcançar algo que mascara o que está além da compreensão já pode ser considerado acima da média. Por enquanto, meu horizonte consiste em persistir no quesito liberdade e não recuar sob hipótese alguma. A liberdade, nessa história, não é Lua de Sangue nem é nuvem. Ela é vento – não à toa, sinônimo de esperança.

Crônica publicada no Metro Jornal em 29.09.15

 

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