Rubem Penz
“Mas, que momento!”
Alexandre Crespo
Tenho um grupo de amigos cuja teimosia chega a ser encantadora: insistimos em driblar a tão frenética quanto anestesiante rotina dos dias, vencemos distâncias, submetemos o poderoso tempo e, com frequência (ainda que irregular), nos reunimos para celebrar a amizade. Apenas isso – a amizade. Por sinal, uma das mais singelas, pois nascida naquele espaço de nossas vidas compreendido entre a infância e a adolescência. Somos todos assim, amigos do tempo do colégio. Alguns conhecidos desde as primeiras letras, outros que torceram juntos à espera do impiedoso listão do Vestibular de 1982.
Desde de que isso começou, em 2001, passamos a promover uma grande festa por década, algumas impagáveis comemorações de fim de ano e jantares menos glamorosos a qualquer momento. Basta uma convocação e abre-se a lista de presença. Muito coube a tarefa de puxar o fio do novelo a um subgrupo, o pessoal que, semanalmente, formava uma mesa muito ruidosa de Anchietanos no Z Café. Aquilo que costuma apavorar tanto as pessoas (encontrar os amigos de infância e confrontar-se com a inexorável transformação) sempre foi encarado por nós como ponto a favor: unidos, somos pouco mais do que meninos e meninas de escola.
Dentre todos, havia um com méritos inquestionáveis: pódio certo em algazarra, esplêndido assador e personagem de um bordão sempre aguardado. Lá pelas tantas, com ou sem motivo aparente, olhava para todos e, com um enorme sorriso, dizia: “Mas, que momento!”. Contrito, confesso que não auferia grandeza ao acontecimento. Acostumara-me de tal modo aos encontros que me escapava sua real dimensão. Nem mesmo quando, em outros grupos, surgia o espanto por termos uma turma de colégio ativa depois de tantos anos, eu sentia o quanto pudesse ser extraordinário.
Na véspera do Natal, como um presente ao inverso, acompanhamos seu sepultamento. Súbito, partiu para outro plano nosso Alexandre Crespo. O coração impôs o tombo ao ginete. Uma parte dos colegas se reunirá hoje em sua memória. Intuo que, daqui para adiante, quando juntos, jamais faltará entre nós quem abra um sorriso e diga “que momento!”. Justa homenagem. E será mais do que tributo: será um alerta. Farol necessário para escaparmos dos naufrágios comezinhos da indiferença e darmos valor ao modesto – e grandioso – prazer do convívio. Antes que seja tarde.
Crônica publicada no Metro Jornal