Rubem Penz
Estou por um risque e rabisque para ter a vida organizada. Preciso apenas lembrar de comprá-lo.
Para quem não sabe do que se trata, trato de explicar: risque e rabisque é um grande bloco de folhas em branco, nos tamanhos A3 ou A4 (se não me engano), encaixado em uma moldura. Serve para promover toda sorte de anotações, cálculos, listas e pequenos desenhos como apoio para a atividade principal (hoje, toda ela feita em uma tela de computador). “Risque e rabisque” deve ter sido o nome de um destes blocos e virou o nome da coisa, tipo gilete e bombril. Muito fez parte do kit de uma mesa de escritório, junto com o box para clipes, o grampeador, o furador, a régua, o porta-canetas. Ah, e o calendário. Para os destros, estará no lado direito. Para os canhotos, à esquerda.
Pode soar estranha a afirmação de que minha vida estará ao cabo organizada adquirindo um objeto cuja natureza seja ambientar o caos. Sim, porque não conheço ninguém que divida seu risque e rabisque por quadrantes, organize em cores ou sequer respeite a horizontal. Anotações de hoje e da semana passada estarão umas por cima das outras, o número de telefone da costureira (na melhor das hipóteses identificado como sendo dela) logo na sequência do e-mail de uma livraria com os valores ao lado sem saber se são do feitio do colete o do livro desejado. E aqueles outros números cuja soma alcança 1.712,00? Serão Reais ou isso é apenas um jogo de palavras?
Já devem ter notado que estou por um risque e rabisque porque o caos já habita em mim e, sem um lugar para endereçá-lo, ele pode se espalhar por envelopes abertos, folhas semi-ocupadas, verso de extratos bancários e toda sorte de papéis com espaços preenchíveis. Isso deixa a mesa com a eterna aparência de parque depois da feira, estádio ao final do jogo, calçada do centro da cidade. Confunde e melindra a faxineira: o que fica, o que vai fora? Na dúvida, nada vai fora e parece que ela sequer tirou o pó – como se já não bastasse a pilha de livros poluindo visualmente o tampo… Porém, para além de todos os motivos pragmáticos, necessito deste objeto por ele lembrar do pai, cuja vida inteira seria encontrada em seu emblemático bloco de notas sobre a mesa.
Enfim, estou só por um risque e rabisque porque já ganhei do meu amor um quadro branco, apagador e canetas em preto e azul para elencar as tarefas da semana. Olho para ele agora e não encontro escrito o lembrete de que me falta um risque e rabisque para organizar o caos. Preciso lembrar de colocar tais lembranças no quadro em branco, recolher ao lixo esses tantos papéis soltos e verificar se nossos pequenos dilemas rendem uma crônica.
Crônica publicada no Metro Jornal Porto Alegre em 16.05.17