Rubem Penz
Olhe para a cor dos seus olhos, cabelos e pele. Olhe para o desenho do nariz, dos lábios, das sobrancelhas. Sorria e veja os dentes. Basta um exame singelo diante do espelho para notar que somos resultado do movimento da raça humana pelo planeta. Você e eu somos quem, e como, porque alguém se moveu pela força de um sonho, ou pela força das circunstâncias, ou pela força. Muitos dos meus amigos não nasceram aqui na cidade, e o número cresce ainda mais se subirmos aos seus pais e avós. Partir, portanto, é das mais corriqueiras iniciativas de um indivíduo. Dar adeus em portos e aeroportos é rotina.
Olhe para os lados e veja se encontra todos os tios, primos e irmãos ao alcance de uma visita a pé, quem sabe rapidamente de ônibus, carro ou bicicleta. Olhe para a lista de chamada da turma de escola e procure saber onde todos moram – surpreenda-se com a distância que separa uns de outros, você de tantos. Eu mesmo tenho duas irmãs que partiram há trinta anos, mais ou menos, e só visitas esporádicas ou alguns dias de férias podem nos reaproximar. Uma ainda está no Brasil, outra já é cidadã norte-americana. Meu irmão-primo é suíço, há primos-irmãos habitando plagas distantes. Faz muito já rompemos todas as fronteiras. Tudo muito bem, tudo muito natural, até…
Até eu estar na posição em que muitos de vocês, leitores, já estiveram ou ainda estarão: assistindo a filha portar um bilhete só de ida para uma cidade longe o suficiente a ponto de determinar uma certa organização de parte a parte para nos vermos pessoalmente. E, pior, reconhecendo ser este caminho o mais certo e com pouca chance de retorno (minhas irmãs dão a prova). É quando o “natural movimento da raça humana pelo planeta” aperta demais o coração. Meu consolo é acontecer pelo mais alvissareiro dos motivos – parte pela força de um sonho, seu projeto de vida.
Hoje o aeroporto Salgado Filho verá pais feliztristecidos e uma filha, idem. Amigos chorando, irmãos apartados, a vida em movimento. É assim mesmo, é o melhor que poderia acontecer, é o certo. É o destino. Não é o fim do mundo, não é tão longe, não é a distância física que diminui o amor e o zelo. Ou a preocupação. Razões para sorrir não faltam. Ainda assim, dói. E “criamos para o mundo” pouco consola. Filha, leva na bagagem os valores aprendidos pelos exemplos, e no coração o maior amor do mundo. Veja, estarei contigo em qualquer exame diante do espelho. Tenha sorte!
Crônica publicada em 20.02.2018, no Metro Jornal Porto Alegre