De que partes do seu corpo você mais gosta?

De que partes do seu corpo você mais gosta?

Rubem Penz

Salvei a noite de domingo nos descontos do tempo regulamentar. Por muito pouco o sono seria precedido por um climão, daqueles chatos, e tudo por minha culpa, minha tão grande culpa. Antes de chegar ao ponto de salvamento, vou contar a razão de eu ter perdido o pé e quase me afogar no travesseiro. Tudo começou com uma pergunta que para muitas pessoas pode ser bem simples de responder: de que partes do seu corpo você mais gosta?

Para ajudar na resposta, do próprio corpo ela desfilou facilmente umas cinco, cada uma das quais recebendo minha absoluta concordância – são realmente incríveis. Ser toda lindíssima torna as escolhas tão fáceis quanto múltiplas. E, quando devolveu para mim a vez no diálogo, emudeci em um balanço complicado. No duro, não sou lá muito fã do meu corpo. Quase tudo a ser elencado termina acompanhado por um “mas”. Foi quando comecei a afundar.

Meus cabelos, por exemplo. A cor é bonita – um loiro escuro que, aos poucos, mescla-se com fios grisalhos. Fino, mas tão fino, que preciso pentear correndo ao sair do banho, ou secará sozinho e desorganizado. Antigamente, ondulados. Hoje, fugidios. Por ser assim, só pude ser cabeludo quando criança – na juventude ficou meio caótico. Hoje, mantenho curtíssimo. Portanto, cabelos não podem ser elencados nas preferências. Estariam os seus nas suas?

Os olhos? – disse ela em socorro. São azuis. A tonalidade é até rara, herança da avó materna. Parecem pedras preciosas: um halo mais escuro por fora dá lugar a espaços mais cristalinos na direção da pupila. Isso, que seria imbatível, é maculado por uma condição – eles são pequenos. Tanto que alguns se surpreendem quando os percebem, algo do tipo “nossa, seus olhos são azuis, como nunca vi isso?”. Pergunta para a Ana Paula Arósio ou para a Bruna Linzmeyer se elas passaram por tal situação. Duvido. Logo, meus olhos não entraram na lista. Na sua, estariam?

Pés e mãos muito pequenos, pernas finas, nariz sem charme especial, boca no máximo ok, tronco sem aquele “V” poderoso dos fortões, ombros que não enchem uma camisa… Meu scanner passava por tudo sem que nada ganhasse destaque. Falei que gostava das orelhas: elas são minúsculas. Quando dei aula de Educação Física num estágio, uma turma de oitava série me apelidou de “orelinha”. Legalzinho. Das suas orelhas, gosta?

No momento em que o “que horror” sobre minha visão crítica havia sido substituído pelo silêncio (aprendam, crianças: se quando elas reclamam é ruim, quando param de reclamar é pior), do nada lembrei de algo que, realmente, gosto em meu corpo. Bastante. Principalmente quando vejo crescer: meus bíceps. Sabe? O famoso “muque”. Minha alegre preferência nasce da inversão de expectativas que ele oferece a quem vê: ninguém está esperando qualquer volume e – voilà – nasce uma montanha insuspeitada e firme como uma rocha. Absoluto, indestrutível.

Só depois de encontrar um motivo de orgulho pude experimentar a paz na noite de domingo e encarar o repouso alvissareiro. Daí, na segunda-feira de manhã, lembrei da minha barba. Gosto dela! Acontece que demorou cinquenta anos para aparecer – e esse é o problema: sempre vem o “mas”. Ela acha que, por eu ser severo assim comigo, sou igualmente com todos (com ela?). Não, isso não é verdade e provo: de que partes do seu corpo você mais gosta? As que conheço, concordo. Nas demais, ponho fé.

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