Várias reportagens abordam os dez anos das passeatas de junho de 2013 e, em todas, há uma constante: a consciência de que elas trouxeram rupturas muito além do protesto contra o reajuste nas passagens de ônibus municipais. Ao contrário do restrito pleito, foram o estopim de um movimento que se tornou nacional e, por sua natureza difusa e horizontalizada, derrubou todas as peças do tabuleiro político partidário brasileiro. Quem sabe inspiradas por Abelardo Barbosa, vieram para confundir, não para explicar.
Durante as tensões do momento, e na ausência de certezas sobre a dimensão a ser alcançada pelos fatos, experimentei aflições inéditas. A principal foi com relação ao perigo dos efeitos colaterais sobre pessoas do meu círculo íntimo. Descobri a razão de roteiros de filmes que envolvem qualquer distopia focarem, por exemplo, em uma só família: as pessoas são o centro de tudo. Por um lado, o cenário, os rumos e as consequências sociais do que acontecia nos colocaram a pensar. Por outro, pessoas que amamos expostas na rua nos colocaram a sentir.
A preocupação em manter protegidos os filhos adolescentes nos anos 2010 traçaram o paralelo com o medo do meu pai com relação ao engajamento de minha jovem irmã nas atividades da reprimida esquerda brasileira em décadas passadas. Creio que sua motivação, além das ideias conservadoras, vinha do risco de nossa integridade física. Mais tarde um pouco, durante o movimento das Diretas Já, o protagonismo das camadas mais ao centro do espectro ideológico abrandou seus temores: já não era o conflito entre duas visões totalitárias a pautar o embate, e sim o desejo de pluralidade. Ainda assim, ele não gostou de nos ver em passeatas.
A união das pessoas diante do perigo é atávica. Cuidar uns dos outros faz parte de nossa natureza e tem impacto direto na sobrevivência do indivíduo e na preservação da espécie. Os laços assim estabelecidos tornam-se mais fortes. Por exemplo, a fraternidade nascida na Safra de 2013 da Santa Sede. Nenhum de nós adormecia antes de saber, por mensagens, se todos estavam em casa – nossos encontros coincidiam em tempo e local com as manifestações e, por isso, era muitas vezes difícil evitar o conflito. Logo, não surpreendeu ser este o grupo a solidificar a base de afeto sobre a qual foram para sempre construídas nossas relações à mesa do bar e, também, a compor a maior parcela da primeira Master Class, já no ano seguinte.
Através da lembrança do zelo de meu pai e de meu próprio desejo de proteção dos filhos, além do reflexo na oficina literária, busco uma maneira de provocar em você um inventário particular sobre o que restou das manifestações de 2013. Note que houve neste esforço um desejo desesperado de encontrar algo positivo no meu próprio balanço. Isso porque, veja só, eu acreditei serem aqueles vinte centavos o começo do final da velha política brasileira. Calcule aí o prejuízo em termos de esperança – mais os juros – a compor o desencanto na atualidade.
Excelente. Desencanto é uma boa definição, mestre.
Carinho,
Obrigado, meu Maria!
A velha política é resistente… Por isso meu lamento.
Abração
Acho que o preço dos 20 centavos foi muito grande… ainda estamos tentando recuperar aquela falência. Boa avaliação na crônica.
Obrigado, Altino! Que possamos ver!
Abraços
Oi Rubem! 2013 vive! Ano interessante!
É verdade Zé Elias! Muito interessante.
Obrigado e abração!
Adoro seu jeito de conduzir o leitor pela mão, abrindo caminho até o penhasco. Muito bom.
Bom, não é a primeira vez que alguém diz algo parecido. Duas leitoras, que lembro, foram Telma e Louise…
Falando sério, quem nos leva ao penhasco é a realidade brasileira. Muito obrigado, Soraya!