Tenho uma lembrança antiga a qual incluo na categoria “recordação epitelial”: o toque do sol na pele quando desci de um avião no aeroporto Salgado Filho. Foi em tempos pretéritos e aconteceu ao retornar da minha primeira grande viagem intercontinental. Vinha do inverno europeu e cheguei no verão porto-alegrense. À época desembarcávamos na pista, mesmo, pois ainda não havia o resguardo dos fingers. E o sol bateu na pele com uma franqueza arrebatadora. Pá! Uau!
Naquele instante, o conjunto de filmes de 36 poses ainda não revelava as inúmeras paisagens, sabores, sons e impressões dos passeios, deixando todo maravilhamento impresso apenas na memória. Embevecido, teria inúmeros motivos para julgar com severidade o entorno subdesenvolvido da pátria amada e idolatrada, salve-salve. Foi quando o astro-rei tratou de colocar as coisas em seu lugar: troquei a comparação entre milhares de anos de civilização em nosso desfavor por uma de milhões de anos a nosso favor. Deus do céu, o que é a nossa luz do dia!
Enquanto escrevo, noto que a recente noite mais longa do ano e um punhado de dias nublados interferem em meu humor. Se não bastasse acordarmos em noite fechada, a ausência de sol drena boa parte de minha vitalidade. Sei que é hábito: nos adaptamos às condições climáticas de absolutamente todo o planeta e, de norte a sul, ocupamos cada rincão distante faz muito tempo. Mas as hordas de humanos em busca de momentos de prazer tropical movimentando o turismo comprovam a tese de que é mais fácil experimentar a felicidade quando aquecidos e iluminados pelo sol.
Nosso engenho driblou adversidades e a qualidade de vida experimentada em países escuros e frios demonstra até onde é possível compensar algo tão singelo quanto um raio de sol. Ao mesmo tempo, a simplicidade da natureza mais dócil responde com desdém: parabéns a vocês, mas aqui já oferto tudo o que é preciso para ser feliz. Este foi o grande choque de percepções entre o que senti na pele no distante janeiro e o que meus outros sentidos haviam experimentado durante a viagem. E a explicação para quase todo cenário distópico criado pela arte ser sombrio.
Aqui e agora, alegre, caminho passo a passo na direção do dia mais longo do ano…