O auditório está com um ruído de nádegas inquietas – ninguém sossega nas poltronas pois a expectativa é muito grande. Ela, que nunca aparecera para dar entrevistas, estaria diante da plateia prometendo revelações dignas de uma celebridade. Para falar a verdade, ninguém conhecia seu rosto.
Eis que, da coxia à esquerda do palco, entra o jornalista responsável pela condução do espetáculo. Um homem conhecido de todos, tarimbado. Haveria de retirar das perguntas revelações há tanto esperadas. Acomoda-se na pequena poltrona marrom escuro sobre o tapete vermelho, pega o microfone e saúda a todos. Depois de um breve preâmbulo, finalmente anuncia:
– Com vocês, pela primeira vez na história, Dona Drenalina! – e estende o braço na direção da coxia direita.
Nos segundos que antecederam a entrada da convidada em cena, há uma certa perplexidade: todos achavam que a Drenalina fosse jovem, viçosa, sarada, faiscante. Nada disso combinava com o “Dona” enunciado. Olhos atentos permanecem grudados no espaço de cortinas do qual ela surgirá.
Com duas ou três cutucadas no pano, a primeira coisa vista é uma peculiar bengala. Atrás dela, aparece uma simpática senhorinha de, no máximo, metro e meio de altura. Cabelos grisalhos caprichosamente acomodados num coque redondinho, óculos ao estilo anos 1950, vestido em floral discreto, meia-calça cor da pele, sapatos confortáveis e um chale azul turquesa sobre os ombros. Resoluta, Dona Drenalina caminha até sua poltrona e agradece discretamente a mão estendida do repórter para ajudá-la a sentar-se.
Antes de a entrevista começar, quase todos retiram os ingressos dos bolsos em busca de alguma explicação. Lá está: “Tudo que você sempre desejou saber sobre a Drenalina”. Seria uma pegadinha? Um golpe? Uma esperteza dos organizadores? Houve quem viesse de cidades distantes para conhecer a verdadeira face da Drenalina, seu impacto em nossas vidas.
Depois de agradecer aos presentes, Dona Drenalina dá o tom da conversa:
– Pedi à organização do evento para manter a luz da plateia acesa para ver a reação de todos quando eu entrasse em cena. Noto maravilhada a perplexidade, a frustração, a decepção no olhar de vocês. Bem-feito para quem espera da Drenalina uma mudança em suas vidas.
Dali em diante, sem ligar para os que deixam o teatro, ela fala sobre sua infância, o noivado, seus filhos, netos e bichos de estimação…
Ao São Cataratas:
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