Eclesiastes 2.0 – a intervenção *

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo procedimento debaixo do céu.

Há tempo de nascer, e tempo de crescer; há colágeno de sobra na obra divina que é o corpo juvenil;

Há tempo de massagear, e tempo de hidratar; há tempos o grande conselho é prevenir;

Há tempo de máscara de pepino; e tempo de apelar àquelas de ácido hialurônico;

Há tempo de recorrer aos cremes, e tempo de não serem mais suficientes – o tempo de peeling;

Há tempo de aplicar Botox nos vincos da testa, e tempo de recorrer à harmonização facial;

Outrossim, há o tempo da rinoplastia, pois a obra divina é perfeita – Ele criou o cirurgião plástico;

Há tempo de criolipólise; e tempo de lipo enzimática para áreas específicas;

Há tempo de lipoescultura; e tempo de lipoaspiração HD – as bênçãos da definição muscular;

Há tempo de abdominoplastia; e tempo de injetar gordura para empinar o bumbum;

Há tempo de corrida ergométrica; e tempo de leg press com uns 180 quilos, no mínimo;

Há tempo de microagulhamento; e sempre é tempo de ir fundo na depilação a laser;

Há tempo para os tratamentos de radiofrequência; e tempo de massagens linfáticas;

Outrossim, há tempo para as braquioplastias e coxoplastias; benditas a seu tempo;

Tenho visto o trabalho que Deus deu aos médicos e aos esteticistas, para os enriquecer.

Tudo as fazem formosas em seu tempo; também pôs no mundo o coração dos homens, sensíveis aos muitos investimentos necessários para driblar o tempo.

Já tenho entendido que não há coisa melhor para elas do que alegrarem-se diante do espelho.

E também que todos comam e bebam e gozem da fortuna que deu tamanho trabalho, pois os corpos são dons da ciência.

Esqueço que tudo o que Deus faz durará eternamente, nada se lhe deveria acrescentar, e nada se lhe deveria tirar; e isto deveria servir de alerta.

O que é, já foi; o que há de ser, também já foi; e o cirurgião pede a conta do que já passou.

Vi mais abaixo do sol que no lugar do limite havia disfunção cognitiva de aparência; no lugar da ética havia ambição.

Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó.

Assim que tenho visto que não há coisa melhor do que alegrarem-se a mulher nas suas cirurgias, porque essa é a sua intenção; pois quem o fará voltar para ver o que será depois dela?

 

Leve, e talvez perdoável, blasfêmia sobre Eclesiastes 3:1-22

* Texto apresentado durante o módulo Mosaico em Cartaz da Oficina Santa Sede para o cartaz do filme “Tempo”

1 comentário em “Eclesiastes 2.0 – a intervenção *”

  1. Em A Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith fala um pouco sobre essa transição entre juventude e velhice:
    “… em cada espécie de homens, agrada-nos particularmente não terem nem demais nem de menos do caráter que habitualmente acompanha sua condição e situação particular. Dizemos que um homem deveria parecer-se com seus negócios e sua profissão e seus assuntos, embora o pedantismo de cada profissão seja desagradável. Pela mesma razão, aos diferentes períodos da vida cabem diferentes modos. Esperamos na velhice a gravidade e a tranquilidade que as fraquezas, a longa experiência, a sensibilidade esgotada parecem tornar naturais e respeitáveis; e acreditamos encontrar na juventude a sensibilidade, alegria e vivacidade de espírito que a experiência nos ensina a esperar a partir das fortes impressões que todos os objetos interessantes conseguem produzir nos sentidos tenros e inexperientes desse período da vida. Cada uma dessas duas idades, porém, facilmente pode ter excesso dessas peculiaridades que lhe pertence. A descuidada leviandade da juventude, e a inamovível insensibilidade da velhice são igualmente desagradáveis. Os jovens, conforme o provérbio popular, são mais agradáveis quando há em seu comportamento algo dos modos dos velhos; e os velhos, quando retém algo da alegria da juventude. Mas cada um deles pode ter, facilmente, excesso dos modos do outro. A extrema frieza e embotada formalidade que são perdoadas na velhice tornam a juventude ridícula. A leviandade, a despreocupação, a vaidade, que são permitidas na juventude, tornam a velhice desprezível.”

    Mas não abri o livro para procurar isso. A página acima é que se abriu, talvez por uma inexplicável “Intervenção”, que trai o meu livre arbítrio. Eu abri o livro porque queria te contar que nele você encontrará uma centena de ‘sinônimos’ para Deus. Podem ser úteis no tempo. Alguns que me recordo: “o grande Juiz dos corações”; “leis da Divindade”; “sapientíssimo Autor da natureza”; “demonstram o cuidado providencial de seu Autor”; “o Autor da natureza”.

    É leitura imprescindível.

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