Primeiro, o reconhecimento: é difícil, muito difícil, atualizar uma obra artística, seja ela uma peça de teatro, um filme ou mesmo uma (nada) simples novela de TV. Com o passar dos anos, signos deixam de encontrar eco no público, as relações sociais se alteram e os objetos de cena se perdem na obsolescência. Portanto, Manuela Dias enfrentou com galhardia uma série de desafios e, para a maior parte deles, galgou êxito.
Outro ponto é ter a trama um desfecho icônico: quem matou Odete Roitman? Desde o princípio parecia ser óbvia a necessidade de alterar o assassino, pois a existência de um mistério ampara a dinâmica da trama. Quem Manuela escolheu? Odete Roitman. Se você é absolutamente imune às ruas, explico: não foi um suicídio. Odete simulou sua morte, libertando-se de sua família para sempre, plena para viver sua ressurreição. Como já havia matado seu filho vivo – inclusive culpando Heleninha –, há coerência total.
Agora vamos para os problemas.
Problema número um: a verossimilhança. Se o plano foi fazer de Odete Roitman um Raymond Reddington (Black List), faltou competência. Bastaria uma cena, minúscula, para me convencer da lógica interna: Odete recebe o tiro com um telefone nas mãos, que cai para longe. Marco Aurélio deixa a sala considerando o crime consumado. Odete, agonizante, faz menção a buscar o telefone. Corta antes do intento, ou mesmo sinalizando o fracasso (para manter o mistério). Com isso, na reconstituição, a ligação acontece e já poderia ter toda a equipe que a socorre na gaveta, ou seja, contratada para simular a morte.
Problema número dois: o Freitas. No afã de surpreender, Manuela elegeu o mais patético (e, por isso, maravilhoso) colaborador da TCA como o operador do golpe perfeito. Acontece que o secretário de Marco Aurélio passou 172 capítulos falhando de modo bizarro, num viés cômico de pupilo dos melhores piores vilões. Transformação forçada demais. Eu sei, eu sei: seria quem? Eu escolheria Ivan, deixando uma sombra no personagem que nasceu para ser um ponto de inflexão, aquele da relativização das virtudes. E, no casamento, ao receber a ligação de Odete, quebraria a quarta parede — um olhar para o público, à la Thriller de Michael Jackson. Isso é horrível, por isso é bom.
Enfim, tornei-me um incorrigível chato. A culpa, contudo, não é minha: não foi Marco Aurélio, Celina, César, Maria de Fátima ou Heleninha quem matou minha ingenuidade. Foram autores maravilhosos como Gilberto Braga – para ficar bem perto do tema. Depois deles, lamentavelmente, não vale tudo.