Que o celular anda escutando nossas conversas para alimentar seus algoritmos e ofertar produtos e serviços que combinam com os nossos desejos já parece claro. Antes disso, verificava quanto tempo olhávamos para determinado conteúdo e, assim, mais e mais postagens parecidas fazia chegar à nossa timeline. Pouco mais para trás, sabiam onde estávamos e nos ajudavam a encontrar o endereço de algo ou alguém por perto. Não sei você, mas eu já havia pacificado tais questões.
E se agora eles leem pensamento? Vou explicar a razão para você (eles já devem saber para onde a conversa irá rumar).
Todo tempo pensei que minha vida seria diferente se houvesse galgado mais uns dez centímetros de altura. Ou seja, ao invés de avizinhar os 1,70 m, estivesse com quase um e oitenta. Quem é alto ou mediano para cima não tem a menor noção (desculpe o trocadilho) do que é a vida dos mais baixos. O quanto de esforço se precisa para vencer na vida, ser olhado pelas mulheres, chegar com confiança em qualquer lugar. Por alto (putz, outro), demanda 50 % a mais de autoestima.
Como estou explicando, isso é o que eu pen-so. Então, do nada, uma enxurrada de propagandas de calçados que nos oferecem dez centímetros a mais começou hoje a pipocar nas redes sociais. Pior: numa delas, aparece o mesmo rapaz em duas filmagens. Na primeira, com a legenda 1,80 m; e na outra, 1,70 m. No quadro alto, confiante, marrento, cheio de si. No quadro baixo, desconfiado, inseguro, vazio de si.
Isso não é inédito. Conheço dois casos: de um amigo, 1,80 m, que comprou um par para quando a esposa está de salto — enfim, emparelha os recursos. Também de um dos meus tios, talvez o menor dos irmãos do pai, que sempre teve um fôlego a mais para combinar com sua crista. Sem falar em quase toda a comunidade da música sertaneja e suas botas de salto explícito. O que me perturbou não é a novidade, é mandarem essas propagandas para mim.
Onde encontro conforto? Nas palavras da Vanessa — para quem pode parecer bom eu ser alto, pois ela não é baixa. Segundo me disse, Deus sabe o que faz. Eu seria insuportável com um metro e oitenta. Se já sou saliente ao natural, com mais altura talvez passasse do ponto. Portanto, algoritmo, pode esquecer. Como bem disse Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Edifício, aqui, é obviamente uma metáfora descabida…
Genial!