Número 466
Rubem Penz
Quem muito viaja está acostumado com casas de câmbio: lojas em que uma moeda é vendida ao preço de outra. Nessa relação de comércio, há moedas mais caras e outras com valor menor. Quando vamos para algum lugar diferente, é preciso estar com a moeda local, mas sem perder a noção de medida, pois nossos proventos não fazem câmbio. Aí o turista fica lá fazendo suas contas, para saber se determinado produto ou serviço está pela hora da morte ou barato demais.
Algo parecido ocorre em outros âmbitos. Esses dias um amigo disse que, ao fazer aniversário, recebera cerca de trezentos cumprimentos de amigos pela rede social. Número impressionante, maiúsculo, grandiloquente. No mesmo dia, ganhou uns cinco ou seis telefonemas. E não teve dúvida de que esses telefonemas valeram muito mais do que as três centenas de recados. Porém, um camarada apareceu no escritório de surpresa para simplesmente lhe dar um abraço – gesto solitário que valeu ainda mais do que os telefonemas. Tudo uma questão de câmbio.
Quer dizer, valores são muito relativos. Dependendo do lugar em que estivermos, no momento de fazer o câmbio afetivo, trezentos pode valer um, ou até menos do que um. O que não desmerece em nada aquele abraço virtual, ou o telefonema tão carinhoso. É só um problema de relação entre as moedas. Fossem trezentos amigos até o escritório abraçar o aniversariante, para ao menos igualar o feito, precisaríamos de umas noventa mil mensagens. E eu estaria diante de alguém muito, mas muitíssimo querido.
Ainda há os casos de moedas raras: ali, o preço não está no valor de face, mas em sua preciosidade ou afetividade. Numa hipótese tola, pois impossível, quantos recados de Facebook seriam necessários para empatar com o abraço de meu pai, já falecido? Asseguro que nem os recordes de seguidores das celebridades chegariam perto de tal valor, ao menos para mim. Como exemplo mais corriqueiro, os abraços dos filhos são muito valiosos. E, para receber o aconchego de alguém que amamos, dispensaríamos na troca centenas de ligações telefônicas.
Pode parecer que estou desvalorizando os sinceros e queridos cumprimentos que recebo no meu dia de nascimento, ou os que eu mesmo ofereço no cotidiano aos amigos aniversariantes das redes sociais. Mas não é nada disso. O valor muda apenas quando viajamos para o mundo real e passamos pela casa de câmbio. É preciso compreender que são moedas diferentes por natureza. Ou uma amizade real poderá ser conquistada tão somente com um clique no botão de aceito? Nunca. Há que investir mais, muito mais.
Arrisco uma tese em que o esquecimento real, vindo com um tardio pedido de desculpas, ao vivo ou por telefone, ainda vale mais do que a fria lembrança virtual. Mas aí os amigos de fé, aqueles que me conhecem de verdade, já desconfiam que eu possa estar advogando em causa própria. Afinal, sou campeão de lapsos em datas de aniversário.
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Oi Rubem, gostei muito do post. Me fez lembrar do meu primeiro aniversário no facebook. Não era conhecedora deste artifício dos amigos serem avisados da data, então me surpreendi com tantas pessoas me desejando parabéns. Mas o inusitado ficou por conta de uma certa sensação de inadequação ou até “culpa” que tive, pois pessoas que conheço superficialmente e me convidaram para “amigo” me desejaram felicidades, tudo de bom, etc. Claro, agradeci, fiquei até feliz. Terei que fazer o mesmo, pensei. Sinto isso por estas pessoas? Quero entrar nesta instãncia de felicitações e relações virtuais e superficiais? Sei lá. Na dúvida fiz uma “limpa” na relação de “amigos”. Abçs, Lucia
Lúcia,
Encaro as felicitações que recebo e ofereço no Facebook como sendo um ato de cordialidade, antes de ser um gesto de carinho. Talvez tão leve e despretensioso como um bom-dia, igualmente tão simpático e saudável. O que não significa que, algumas vezes, há enorme apreço nas rápidas palavras que escrevo e leio na rede social. Acho que os amigos sempre sabem diferenciar umas das outras (nisso, aquela sua “limpa”). Grato, abraços, Rubem