Uma querida amiga é fanática pela leitura de Obituários. Ela vê uma singela beleza naqueles resumos de existência, além de uma interessante paridade social: ao lado de um General, empresário ou professora emérita, pode estar uma costureira, um estudante, o fanático torcedor de um time da terceira divisão cuja especialidade era assar churrasco. Isso me fez pensar no caso de a seção de Obituário habitar outras partes do jornal, quem sabe rendendo bons textos. Economia & Negócios, por exemplo:
Depois de uma vida inteira dedicada à comunicação entre pessoas em diversas localidades, faleceu recentemente Telefonia Residencial Analógica, filha de Ligação por Telefonistas e neta do revolucionário Telégrafo ‒ este que, durante sua vida, chegou a sofrer uma séria intervenção ortográfica, tendo extirpado seu ph. DDD, como era conhecida, faleceu em virtude de um severo abalo tecnológico, que vitimou boa parte de sua família: a Ficha de Orelhão, o Telefone de Disco, a impertinente Linha Cruzada e DDI, sua irmã gêmea, esposa de Satélite de Comunicação. No Brasil, esteve casada com o Governo durante grande parte de sua vida, divorciando-se depois de um processo de privatização (para alguns, nem tão amigável). Partiu sem deixar herdeiros diretos vivos. Seu legado foi transferido aos sobrinhos, filhos de DDI e Satélite: Telefonia Digital e Telefone Celular. A comunidade jamais esquecerá a importância de DDD na aproximação entre vizinhos e amigos, na criação de serviços de tele-entrega e no auxílio à Defesa Civil ‒ sempre voluntariosa ao chamar o Corpo de Bombeiros, a Polícia e ambulâncias.
Pode-se dizer que as redações de jornal, as agências de propaganda, os escritórios contábeis e de advocacia, os cartórios, escolas e mesmo as residências jamais serão iguais depois da partida de Máquina de Escrever. Seus movimentos coordenados ‒ de grande engenhosidade mecânica ‒ e ruídos característicos acompanharam as mentes mais brilhantes da humanidade por muitos e muitos anos, registrando todas as idéias e documentos por elas produzidos. Gradativamente aposentada e vendo crescer a importância de Máquina Elétrica (com o prático Corretor Automático a seu lado), mantinha-se útil em repartições desatualizadas por todo lado. Porém, Máquina de Escrever foi atropelada pelo Editor de Texto que, junto com a Impressora de Dados, pilotavam um PC (Computador Pessoal) em altíssima velocidade. Com seu passamento, ficaram órfãos as Fitas de Tinta (Bicolor e Preta), o Curso de Datilografia, o Mimeógrafo e o cooperativo Papel Carbono. Ainda é possível encontrá-los por aí, mas sem o mesmo ânimo.
Contrariando o que faria supor sua pouca idade e encantamento, faleceu obscura e tragicamente Disquete de 5”1/4. Seu irmão mais novo, 3”1/2, está na UTI, sem esperanças de recuperação, enquanto Disco ZIP, o caçula, morreu logo depois de nascer. Foram todos vitimados por uma febre conhecida como obsolescência precoce aguda, doença desenvolvida por carências na capacidade de armazenamento, gerando pouca esperança tecnológica no longo prazo. Visto como símbolo de uma época, a aparência de Disquete 5”1/4 chegou a ser sinônimo de modernidade nos anos 80 (auge de sua utilização). Seus herdeiros convivem com a ameaça constante da mesma febre, que parece ser um mal genético na família Informática. Isso poderia explicar tamanha fertilidade criativa e a pressa com que se renovam, criando filhotes a cada semana: frágeis, um deles há de sobreviver para perpetuar o legado.
Rubem,
boa crônica, parabéns! Gostei muito das que li até agora no teu livro também.A destacar “O cara do porta retratos” , “O namorado Imaginário”, “Isso e Aquilo”, “Anúncio Inclassificável”. Mas ainda li poucas. Estou abrindo o livro aleatoriamente e pescando uma, acho mais divertido. Abraço!
P.S. a oficina tá muito legal, pena que vai acabar!
Tiago Sozo Marcon
Muito grato, Tiago!
Tens um grande talento: espero que sigas escrevendo e aproveite as excelentes oportunidades ofertadas pelo SESC. Por falar nisso, achei a aula de ontem realmente muito bacana: todos de parabéns!
Abração, Rubem