Rubem Penz
Se fosse fácil, todos fariam; se fosse difícil, ninguém faria; se impossível fosse, muita gente faria de tudo para provar que consegue fazer.
Se fosse tranquilo demais, daria sono; se, ao contrário, fosse muito agitado, estressaria; se fosse puro ritmo, alguém, nalgum momento, boicotaria só para variar.
Se fosse delicioso, somaria umas tantas calorias; se fosse intragável, seria programa de faquir; a medida do saudável, fosse sempre possível, seria mesmo a preferência?
Se fosse rápido, causaria frustração; se fosse demorar além da conta, desinteresse; caso chegasse ao tempo certo, é certo que metade quereria antes e os outros depois.
Se fosse quente, queimaria a língua; se fosse gelado, doeria os dentes; se morno fosse… Morno? Morninho!? Onde posso vomitar, por favor!
Se fosse caro, seria um desperdício; se fosse barato, seria o caso de desconfiar; se estivesse no preço esperado, para não dizer justo, ainda seria possível dar uma pechinchada?
Se fosse proibido, seria mais gostoso; se fosse recomendável, ah, bem menos interessante; se fosse permitido, nem assim ficaríamos livres de uma dose de censura alheia.
Se fosse instintivo, seria tachado de irracional; se fosse aprendido, artificial seria; seria possível apaziguar coração e mente apenas por uns instantes?
Se fosse azul, seria apenas para os homens; se fosse cor-de-rosa, exclusivamente para mulheres; estivesse o mundo em preto e branco, nem assim seria solução.
Se todos soubessem, não seria nenhuma novidade; se ninguém soubesse, acreditar seria quase impossível; uns sabendo, outros não, seria classificado de elitismo na hora.
Se fosse plágio, seria ofensa ou homenagem? Se fosse original, seria inovação ou loucura? Seria mesmo possível criar sem (re)conhecer?
Sempre fosse o sim, o certo seria o não; se não fosse sem cessar, concordâncias gritariam na voz da consciência; como de hábito, o talvez espreita atrás da porta.
Se fosse um gato, subiria no telhado; se fosse um cão, ladraria sem morder; um pássaro fosse, teríamos, no mínimo, outros dois voando.
Se fosse pela esquerda, seria inconsequência; se fosse pela direita, a quase certeza de muitos conflitos; como foi pelo centro, nem assim as eleições da França sinalizam dias de harmonia pela frente.
Seja lá como for, eu gostei.
Crônica publicada no Metro Jornal em 09.05.2017