Jogo de polícia e ladrão

Rubem Penz

Quando eu era criança, havia o jogo de “polícia e ladrão”. Para brincar, era preciso apenas uma turma, um pátio ou, com chuva, uma cancha coberta. As regras, de tão simples, faziam com que, mesmo sem a mediação de adultos, tudo transcorresse livre de queixas (coisa que soa estranha hoje em dia, mas isso é tema para outra crônica). Acontecia assim: no grupo, um era escolhido para ser “o polícia”. Todos os demais eram ladrões. Quando um ladrão era tocado pela polícia, tornava-se polícia e passava, também, a perseguir os ladrões. Terminava o jogo quando o último fosse pego. Estranhamente, o último capturado, mesmo com isso significando uma derrota circunstancial, vencia… A polícia triunfava, mas ser o melhor na fuga tinha lá seus méritos.

Essa simplicidade cândida, até maniqueísta, dificilmente agradaria um grupo de adultos expostos à mesma recreação. Desconfio que a primeira encrenca seria conseguir que todos aceitassem o fato de que alguém, antes de todos, fosse ungido para o lado da polícia (o algoz), enquanto aos demais restaria o papel de fugitivos. Passando com êxito por essa fase, o primeiro a ser pego esbravejaria: “Por que eu? Isso é sacanagem! Perseguição pessoal!”. Apenas depois de explicado que, a partir de então, ele deteria a capacidade de pegar os outros (um pequeno poder) os ânimos serenassem. E, com sangue nos olhos, o neopolicial olharia para determinado alvo, gritando: “Agora vou te pegar!”. Seletividade, sim, para alívio dos que estavam mais perto.

Seguiríamos com a correria até o primeiro anunciar que o jogo só ficaria bom com a instituição de uma área de refúgio, ou “ferrolho”. Mudariam o nome para “habeas corpus preventivo” ou “foro privilegiado” ou “advogados caríssimos”, pois, adultos, somos bons em criar nomes. Como perdemos a coragem infantil que nos faz aventurar só pela diversão, todos os ladrões se aglomerariam no ferrolho e o jogo tenderia a embretar. Quem chegasse de fora, perguntaria: “Ué, não estavam brincando?”. O policial diria: “Ó, todos com advogados caríssimos! Não dá para brincar”. Daí teriam a genial ideia de sortear uns poucos que poderiam ir para o “foro privilegiado”, enquanto os outros, desesperados, apelariam por “habeas corpus preventivo” no transcurso da fuga.

Pensando bem, é má ideia fazer adultos brincarem de polícia e ladrão. Ainda mais se escolherem legisladores para remanejamento de regras: outrora simples, passariam a ter umas 500 páginas. O jogo seria monótono e ninguém correria de ninguém por décadas. Talvez a única alternativa fosse buscar a mediação de uma criança (mas isso é tema para outra crônica).

Crônica publicada no Metro Jornal em 22.03.16

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