As certezas em dúvida

As certezas em dúvida
Rubem Penz


– Com certeza!

É pouco provável que alguém tenha feito uma estatística sobre isso, mas sinto bastante elevada a quantidade de entrevistados que hoje em dia iniciam suas respostas com o bordão acima. Determina este grau desmedido o excesso de jogadores de futebol diante de microfones (eles adoram bordões) e o vício da imprensa em perguntar afirmando – Galvão Bueno fez escola. Este número inflacionado de certezas, no entanto, deveria criar no espectador (ou no ouvinte) algumas dúvidas. Explico.

De onde tiram tantas certezas? Essa questão se impõe na medida em que, com o passar do tempo, menos delas eu tenho comigo. Seja na política, seja na ciência, na profissão, nas relações afetivas etc., novos fatos e criativos pontos de vista demolem todos os dias qualquer antiga e sólida certeza. Até mesmo no futebol, ou principalmente nele, as certezas têm me parecido mais raras do que nunca. E, justo agora, o entrevistado se adianta em estar convencido. Quem entende isso?

Outra dúvida: onde foi parar a genuína convicção? Sim, na medida em que escuto com uma freqüência avassaladora o com certeza ser sucedido de um mas. E, depois dele, uma opinião diametralmente oposta à certeza dita no começo da argumentação. Ou os entrevistados andam muito gentis com os argüidores, envergonhados em desmenti-los, ou o com certeza está saindo no piloto automático, sem necessariamente fazer algum sentido. Portanto, mais inútil do que geladeira para esquimó.

Também não compreendo o fato de a riqueza da língua pátria estar assim desperdiçada. Se a certeza existe – vamos creditar ao entrevistado o benefício da dúvida –, por que não começar a resposta com um sucinto sim? Ou com um breve de fato? Ou um coloquial isso mesmo; um elaborado partindo desta tese; um conclusivo lógico; um lacônico parece; um descomprometido você é quem afirma? Com tantas maneiras interessantes de começar uma resposta, qual seria o motivo de permanecerem todas elas guardadas na memória enquanto o com certeza já anda puído de tão gasto?

Há um grande movimento nacional no combate à praga do gerundismo. Até onde sei (olha aí outro bom começo…), ninguém quer, com ele, extinguir o gerúndio, e sim deixá-lo com a proporção equilibrada no ecossistema do nosso idioma. Lanço agora, caso ainda não tenha sido feito, o combate profilático ao com certeza nas entrevistas. Ora, dirão: quem seria eu para indicar a alguém como deve ou não iniciar uma resposta ao microfone. Mas, e se não estiver sozinho? Se não sou o único incomodado com a expressão?

Bom, já me serve o semear de uma dúvida nos leitores deste texto: será que este bordão, quando dito, não estará me desfavorecendo, nivelando por baixo, rebaixando minha opinião? Se você concorda comigo, fique atento na hora de responder entrevistas e passe a crônica adiante. Estaremos prestando um bom serviço para a sociedade. Com cert… Digo, imagino que sim!

8 comentários em “As certezas em dúvida”

  1. Olá Rubem.
    A expressão a que te referes na crônica, de tão usada – e de forma equivocada – perdeu até o sentido, o significado. As pessoas dizem o tal ‘com certeza’ mesmo não tendo certeza (coisa difícil de se ter nesses nossos tempos). Saiba que tens em mim um aliado nesta questão. A propósito, creio que a melhor maneira de começar uma resposta é seguindo a mesma linha da pergunta.
    Parabéns pelo texto e abração,
    Beto.

  2. Viviane Grespan

    Oi Rubem.

    Se até em pesquisa científica algumas certezas se dão a quastionamentos, ou a achar outros caminhos… por que não economizarmos o nosso “com certeza”?
    Aderi

    Abraço
    Vivi Grespan

  3. Oi Rubem
    Outra praga que grassa por aí é o “descartar”. Reparaste que ninguém mais simplesmente nega alguma coisa? A começar pelos políticos, passando pelos policiais e acometendo impiedosamente a imprensa, todos adoram “descartar” informações, rumores, suspeitas…
    Valeria uma crônica, ou tá descartada essa hipótese?
    Grande abraço,
    Jéssica

  4. Jéssica,
    Vai ver que no momento em que vivemos, no qual tudo parece um jogo (no pior sentido), o pessoal precisa sempre “descartar” aquilo que não presta e está em suas mãos. Ou você já viu alguém “negar” um importuno dois de paus???
    Agora, se esse nosso pingue-pongue renderá crônica, nem nego ou afirmo. Mas já valeu!
    Abração (aqui dessa terra sem praia),
    Rubem

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