Número 320

DIA DE FAXINA

Qual o melhor dia para a limpeza da casa? No caso de quem contrata uma profissional, qualquer um, de segunda a sábado, desde que ela esteja comprometida em sua agenda. O ideal – e aqui está uma conquista de clientes antigos – é o dia de faxina cair na sexta-feira, véspera de final de semana. Quinta, ainda é bastante bom. Segunda-feira pode bem servir para juntar os restos mortais de eventuais festanças. Porém, seja contratando alguém para limpar a casa, seja por nossos próprios esforços, um consenso existe: em domingos, não há ânimo para atuar na limpeza.

Esta é a ótica de quem limpa, claro. Do ponto de vista de quem recebe a higienização, dia de faxina é sempre domingo. Ou folga, ou feriado. Um dia para quebrar a rotina, sair do sério, dar um tempo. Rever amigos, até. Senão, vejamos:

Em que outro dia os tapetes ganham uma folga para passear no pátio, na varanda ou na sacada? Eles todos – o da sala, os dos banheiros, aqueles à beira da cama – deixam de receber pisadas distraídas para tomar banho de sol. Quando, de quebra, ganham umas voltinhas na máquina de lavar, galgam a solene altura dos varais. Se não, ao menos sobem para encostos de cadeiras, ou grades, respirando outros ares. E garantem um mínimo de elevação do espírito.

Cadeiras se esbaldam em piruetas, muitas vezes parando de cabeça para baixo em cima da mesa, que já está aliviada da responsabilidade cotidiana de equilibrar aquele vaso de cristal caríssimo (para o azar do sofá que fica por perto, e agora acomoda o enfeite de modo desengonçado). Se o piso recebeu carinhos do pano úmido e perfumado, ou a renovação de sua cera, mesa e cadeiras vão curtir essa inversão de posições por horas a fio, rindo à toa!

Dia de faxina também é a oportunidade das camas, desavergonhadamente, ficarem nuas. E dos lençóis, fronhas e cobertas mexerem-se com o vento. Se os homens tivessem ouvidos mais atentos, perceberiam a algazarra dentro do armário, onde jogos de cama limpos apostam em qual será o preferido para sair da reserva e entrar em campo. Os travesseiros, pesados de tantas confissões inconfessáveis, podem, enfim, dar uma espairecida. Suas penas, afinal, não são de ferro…

Quando é o caso daquela denominada faxina grossa, até as cortinas, para variar, abandonam seus varões. As venezianas curtem chuva de mangueira, e as folhas das janelas passeiam para lá e para cá no bailado das flanelas. Com sorte, as cristaleiras e armários serão arredados para longe das paredes: bancar a estátua para esconder o pó mais rebelde cansa suas belezas. E, já que são muito grandes para sair porta afora, pelo menos ganham a oportunidade de espiar a rotina por um outro ângulo.

Depois da faxina, é impossível não reparar em tantos sorrisos pela casa. Alegram-se os enfeites, os lustres, o piso. O contentamento se reflete em todos os espelhos, reluz nos tampos de granito, transparece no vidro do box. Por essas e por outras que nossos móveis não entendem quando passamos os domingos entediados, amortecidos diante de uma tela de TV. Eles sabem que programa bom é tomar sol, fazer piruetas, olhar a vida por novos ângulos. Desprender-se dos varões, sentir o vento no rosto, perfumar a alma. Trocar afetos para aliviar nossas penas, despir-se de pesadas máscaras.

Para a casa, dia de limpeza é sempre domingo. Para nós, domingo é, ou deveria ser, sempre um dia de faxina.

2 comentários em “Número 320”

  1. A sexta resolveu faxinar a preguiça. Preguiça de pensamento. Que quase foi levada pelo vento. E quase acabou o intento. Emoções à parte, ler suas crônicas é sempre uma aula para mim. Uma sinfonia de palavras. Ritmo de elos figurativos, que abarcam significados profundos. É com muita vergonha que a preguiça se confessa. O pensamento se expondo, o diálogo tomando corpo e a vontade resurgindo das cinzas.

    Um abraço grande,

    Vitória Leiria

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