Número 346

NO FUNDO, É TUDO AO CONTRÁRIO

No fundo, no fundo, os torcedores do Flamengo estão torcendo muito para o Grêmio engrossar o caldo no último jogo do Campeonato Brasileiro de 2009. Impor uma resistência brava, gaúcha, Farrapa! Transformar o Maracanã em um novo Estádio dos Aflitos e, quem sabe, lançar um DVD em 2010. Se os gremistas amolecerem, se entregarem o placar sem resistência alguma, de modo vergonhoso e pusilânime, o título ficará para a eternidade maculado – e de modo indelével. Não faltará, em nenhum dos botecos cariocas, um vascaíno para dizer a verdade: sem luta, não há mérito. O verdadeiro rubronegro almeja o título depois de uma batalha inesquecível.

No fundo, bem lá no fundo, os São-paulinos e Palmeirenses torcem de modo apaixonado pela amarelada do Grêmio no próximo domingo. Nada melhor do que conspurcar um título dos cariocas colando na faixa um episódio sórdido de entrega covarde capitaneado – que espetáculo! – por gaúchos. Aliás, isso será motivo de novas piadas sobre a masculinidade do Centauro dos Pampas, com requintes de crueldade. Todos os paulistas esquecerão o papel ridículo a que se prestou o Corinthians, cujo goleiro correu o risco de defender um pênalti sem sair do lugar: em ato reflexo, por pouco não esticou o braço para o lado. É o que bastaria para bloquear um chute quase no meio do gol. Depois, bateu palmas.

No fundo, no fundinho mesmo, os colorados torcem muito para os rivais humilharem-se no lendário palco do futebol mundial, ainda mais diante de todos os olhos da nação. Essa atitude colocaria para baixo do tapete uma quantidade enorme de pontos desperdiçados em jogos fáceis, diante da torcida, em pleno Beira-Rio. Nas contas de qualquer analista neutro, durante jornadas ridículas da equipe, o Inter jogou fora nada menos do que cinco pontos. Isso sem falar no prazer em lembrar dessa passagem negra da biografia tricolor para sempre. Aliás, seria uma atitude representativa para tantos outros fracassos no Rio Grande do Sul: aqui, se torce mais para o malogro do outro do que para nosso próprio sucesso.

No inconfessável fundo da alma, os gremistas de verdade torcem muito e fervorosamente, domingo, por aplicarem uma goleada heróica no Flamengo. Depois, todas as possibilidades de resultado no Beira-Rio são deliciosas: se o Inter empatar ou perder, a flauta será histórica. Se ganhar do mísero Santo André, os alvirrubros ficarão devendo este título para o rival por, no mínimo, três gerações. E, aos olhos da nação, a bravura tricolor fará sombra à taça de qualquer um dos beneficiados – prato cheio para quem se gaba de feitos improváveis, mesmo quando em escalas inferiores.


No fundo, bem no fundo, é tudo ao contrário do que parece. Mas ninguém está muito interessado em chegar no fundo dessas questões. É na superfície que respiram as aparências e derramam-se as lágrimas.

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