Número 354

MUNDO PET

Eram amigas desde os tempos de escola. Não poderiam ser mais diferentes entre si: uma era alta, outra risonha, outra médica, outra comia as unhas… Porém, laços invisíveis de afeto e confiança faziam com que estivessem, uma vez por mês, diante de taças e mais taças de espumante. Chamavam o encontro de nossa pequena extravagância. Com o avanço das horas, o papo tendia às confissões. Naquela noite, Adelaide (os nomes estão todos alterados para evitar processos) estava muito queixosa.

– Meu marido é um cachorro! Vocês têm um em casa, por isso sabem do que estou falando…

Fez-se um silêncio prolongado. Cada uma retornou ao lar por instantes, em pensamento, para tentar acompanhar a linha de raciocínio. Ophelia, com sorriso fugidio, lembrou-se de que o seu atual não poderia ser mais meigo. Nos últimos anos fora o responsável pelos mais encantadores momentos de sua vida. Bastava uma troca de olhares para que ela recebesse um carinho. Logo tratava de retribuir e, em frenesi, já se viam rolando pelo chão.

Emília admirava muito o seu pela retidão de caráter e objetividade. Nunca traíra sua confiança, fosse no dia-a-dia, fosse em momentos de exceção. Algo que perpassava o conceito de subserviência: mesmo quando ela viajava para os inevitáveis congressos, chegando a se ausentar por mais de uma semana, era certo que nada em casa aconteceria fora do esperado. Ao contrário: havia um zelo incorruptível por tudo o que se estabelecera na partida.

Ursula quase deixou escapar uma gargalhada. Nenhum outro poderia ser mais divertido do que o seu. Meio palhaço, meio malabarista, comportava-se como se todos em sua volta fossem uma platéia. Especialmente crianças e visitas. Muito especialmente se fossem crianças, as visitas! Acontecia de passar um pouco dos limites de vez em quando, a ponto de perder a graça… Mas era só uma questão de pedir para que parasse quando já estava perturbando.

Olga sentiu muita saudade do seu… Falecera há menos de um ano, o luto sequer estava completo. Estiveram juntos por tantos anos que se conheciam pela respiração. Quando ela chegava em casa depois de um dia estressante, bastava sentar ao seu lado por minutos para abandonar os problemas. Mesmo quando ele adormecia enquanto olhavam TV, um absurdo, diriam tantas, era repousando docemente a cabeça em seu colo que o fazia.

Ernesta nutria, secretamente, um pouco de medo do seu. O que não era, exatamente, segredo para ninguém, pois todas as suas amigas tremiam diante dele. Ele era agressivo, temperamental e grande. Muito grande. O lado bom é que ninguém, nunca, meteu-se com ela ou com os filhos. A figura impunha respeito! E sua agressividade jamais foi dirigida à família. Ao contrário, a fúria era sua maneira de ser atencioso.

O silêncio foi interrompido pela própria Adelaide, retomando o pensamento que interrompera para servir-se de mais espumante:

– … um verdadeiro cachorro, o Adamastor! Acreditam que teve o desplante de chegar em casa fedendo a perfume e cigarro, e me dizer que tinha ido à missa depois do trabalho?

Todas se entreolharam. Ah, ela estava falando do marido!? Talvez fosse o caso de suspender a próxima garrafa…

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