Por meus olhos, Lupicínio Rodrigues

Rubem Penz

Esses moços, pobres moços

Ah, se soubessem o que eu sei

Lupicínio Rodrigues

Cartola, Noel, Adoniran e Caymmi, todos já centenários, aguardavam com certa impaciência a chegada do maior compositor de sambas aqui do sul a esta marca representativa. O mais moço entre aqueles que considero os cinco brilhantes da geração no gênero (bem espalhados pelo território nacional), Lupicínio Rodrigues foi um fenômeno explicado apenas pela genialidade. Homem simples, sem formação musical e de voz pequena, Lupi, como era chamado pelos amigos, compôs mais de uma centena de obras das quais se pode pinçar, facilmente, duas dezenas de preciosidades. Nasceu e viveu em Porto Alegre, cidade a partir da qual compôs um universo.

Aquilo que seus olhos viram, ou seus sonhos vivenciaram, transformaram-se em versos inesquecíveis. Basta recordar da melancolia mansa no tema “Felicidade”, do ressentimento franco em “Nunca” e da divertida notícia de “Se acaso você chegasse” para tornar evidente sua importância no cancioneiro popular. Raros compositores souberam abordar a temática do sentimento como ele, um dos artífices, senão o principal, das denominadas canções de dor de cotovelo. Exemplo: quando em “Nervos de aço” ele pergunta se “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?”, o faz para cantar sua perda e as terríveis consequências de ser deixado pela mulher amada – um sofrimento sem fim.

De todas as músicas de Lupicínio, a que mais me chama a atenção é “Esses moços”. Nela, o autor consegue revelar com maestria o mesmo desalento que aparece nas linhas de outro gigante das palavras, o cronista Paulo Mendes Campos, quando nos diz que “No princípio do amor existe o fim do amor, como no princípio do mundo existe o fim do mundo”. Ao alertar os pobres moços que eles “deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno a procura de luz”, Lupi reproduz a certeza do sofrimento vindouro, colocando em dúvida se realmente valerá a pena amar. Porém, o apelo soa visivelmente inútil: há nele a certeza velada de que os jovens jamais darão ouvidos a um velho e às suas dores.

Aliás, com a experiência de quem já visitou este inferno mais de uma vez, além de ter colhido o sofrimento que se espera ao final do amor, ouso dizer que os jovens de hoje não devem – mesmo! – dar ouvidos aos conselhos do Lupi, ainda que lógicos. Em tempos de frustrações evitadas a qualquer preço, o que tenho visto é a dificuldade de amar com entrega. Ora, se o fim de um amor machuca, ele também cicatriza e caleja, além de nos aprimorar para o novo amor – o qual chega com a faculdade de remoçar. Quero mais é que a meninada descubra com seus próprios corações o que Lupicínio tão bem sabia, e que o eterniza: amar.

Crônica publicada no Metro Jornal em 16.09.14

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