Resumo da ópera

Número 424

Rubem Penz

– Deixa de ser relaxado, guri!

Eis uma das mais frequentes falas que eu escutava na infância, dita, especialmente, pela mãe. Motivos? Variavam muito: meus cadernos podiam estar com orelhas de burro, os cadarços do tênis desamarrados, a cama desfeita, a escrivaninha caótica, os temas por fazer, o cabelo despenteado, roupa suja no canto do quarto etc. ao infinito. Relaxar, definitivamente, não era um comportamento admissível. Muito menos justificável.

Lembrei disso agora porque estão em cartaz os problemas de autoridade, de limites e de educação no âmbito familiar, com reflexos sentidos na escola e na sociedade. São dificuldades surgidas bem no momento em que foi abandonada a rigidez do passado para ser instaurada uma relação bem mais, digamos, relaxada no trato pessoal. Tiramos da pauta as antigas (por vezes ásperas) ordens, substituídas por serenas combinações. Porém, caso os pais queiram de volta o firme comando, correm o risco de ter como resposta:

– Deixa de ser estressado, pai!

Então hoje há filhos relaxados e pais estressados? Diria que sim, e exatamente o contrário também: os adultos se tornaram uns relaxados e a meninada acaba por viver sob consequente stress.

Aquele “relaxado” da minha infância não existia em oposição ao tenso, e sim ao descuidado, indisciplinado, descomprometido. Bem o problema que aparece na postura de muitos pais. Afinal, educação é algo que exige cuidado, disciplina e, acima de tudo, comprometimento. Em outras palavras, não se pode relaxar. Só tem credibilidade para ditar regras aquele que as tem para si, cumprindo-as. Isso vai desde a toalha pendurada no lugar até o parar no sinal vermelho. E, acima de tudo, é preciso atribuir tarefas e posturas, cobrando-as mil vezes se for necessário. Duas, três mil vezes até.

Mas o que dizer de uma meninada cada vez mais desobediente, agressiva, malandra? Seriam eles, então, muitíssimo relaxados? Depende. Se eles cresceram sem ser responsabilizados (mil vezes) pela ordem no quarto, pelo asseio, pelas notas escolares, pela obediência à autoridade etc., a resposta até pode ser não. Para ser relaxado é preciso ter atribuições. E, como sequela dessa renúncia involuntária aos deveres, nasce o stress juvenil: incapacidade de lidar com a frustração, com o limite, com as cobranças que, um dia, acontecerão. Aos mimados, crescer dói em dobro.

Recorrendo ao impreciso e, por vezes, injusto recurso da generalização, resumiria a ópera educacional do momento como uma tragédia em dois atos (ou melhor, duas omissões): pais estressados e relaxados, criando filhos relaxados e estressados. Ambos dispostos a culpar o professor, a escola ou o método pedagógico pelo mau espetáculo oferecido. E o Brasil, depois, reclama dos fracassos na bilheteria…


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