Número 351

ANO AUSPICIOSO

Quem se arvora na arte (ciência?) de fazer previsões, antes de arriscar palpites, detém-se na leitura de sinais. Isso vale para todas as atividades que sobrevivem da necessária antecipação, tais como investidores da Bolsa de Valores, meteorologistas, cartomantes, consultores e professoras de pré-escola. No caso, entenda-se como sinais tudo aquilo que pode ser indicativo de consequências futuras, para o bem e para o mal: um silêncio, um movimento súbito, uma coincidência, uma novidade etc.

Fora do âmbito profissional, é bastante comum que façamos igual em nosso dia-a-dia, com ênfase em dezembro. Afinal, é sempre útil conseguirmos vislumbrar um ou dois movimentos adiante do destino. Isso, claro, quando ele não nos prega peças, blefando escancaradamente… Na fé em que o destino tenha mais o que fazer do que me sacanear, passei uns dias de olho ao redor, garimpando sinais capazes de me preparar para o ano de 2010.

Como exemplo, vejam o que ocorreu na janela da biblioteca – pela qual vejo o mundo enquanto escrevo. Falhas de acabamento no entorno da esquadria (pelo lado de fora), constatadas pela esposa, explicaram a entrada de água quando a chuva se fazia acompanhada de ventos sul e sudeste. Por conta disso, neste inverno e primavera, muitos temporais nos tiraram a paz. E choveu muito em 2009! Sempre que eu julgava que a parede estava suficientemente seca para aplicar silicone, chovia antes de eu realizar o trabalho. Foram uns três meses nesse chove-e-molha. Com a chegada do verão, e a nova posição do sol, enfim apareceu a oportunidade.

Terminei o serviço moído e com as mãos doendo: o trabalho precisou ser feito por dentro, uma vez que a biblioteca fica nos altos de um sobrado, e com uma posição arriscada e desfavorável. Parece ter ficado bom! Digo parece porque, incrível, nunca mais choveu. Aliás, desde a mudança de estação, chove pela primeira vez agora, mas com vento sudoeste – nenhuma gotícula no vidro da dita janela. Isso é um sinal evidente de que todas as minhas necessárias providências no ano que findou demorarão um pouco para comprovarem sua eficácia. E, mesmo assim, para que isso de fato ocorra, precisará continuar chovendo em minha horta!

Outro exemplo está intimamente ligado ao Natal. Enquanto todos esperam a chegada do Papai Noel, eu espero a maravilhosa Salada Waldorf da minha amada. Mulher ardilosa (já sei, são sinônimos), ela me cozinha o ano inteiro com a promessa da iguaria de dezembro. E, enquanto eu reviro os olhos, ela diz, suavemente: “Se tu gostas tanto, nem sei porque não faço a salada durante o ano”. Doce mentira. Como prova de fidelidade e aprendizado de um dos segredos do amor – a paciência –, nunca peço Waldorf em restaurantes nem faço por minha conta. Quem disse que é fácil manter os encantamentos do matrimônio?

Pois, para a minha surpresa e deleite, além do jantar natalino, tivemos Salada Waldorf na ceia de Ano Novo. Tilintem os cristais, desfraldem-se os guardanapos, estourem as rolhas: para mim, isso é o mais claro sinal de um 2010 bastante auspicioso. Um ano de fartura, um ano de encontros, um ano de prazer. Mesmo que tragédias sigam acontecendo (horríveis), políticos nos decepcionando, economia em tênue equilíbrio, duas saladas Waldorf em questão de uma semana é promessa de boas novas. Isso, ou o destino está me ofertando a mais cruel das armadilhas…

PS: 23/12, fim de tarde, supermercado entupido. Na enorme fila do caixa, uma senhora me pergunta por que enfrento isso com um único molho de aipo nas mãos. Porque já não havia aipo (ingrediente chave na Waldorf) em outras duas lojas, explico. Ela recua um passo. Olha-me de cima a baixo. Não sei se teme ou respeita. Na dúvida, muda de assunto.

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