Está na cara
Rubem Penz
Todos os dias, a qualquer momento, algo pode dar errado. Seja por falha humana, coincidência infeliz, desgaste dos materiais ou exceções da natureza, aquilo que foi planejado até a minúcia ocorre de maneira diferente. Todos os dias, a qualquer momento, ao imaginarmos que estamos com a situação sob controle, na verdade, temos apenas fé. Acreditar e prevenir-se são os nossos limites. Porém, algo sempre me intrigou: por que as coisas dão mais erradas para uns do que para outros? A resposta pode estar debaixo do nosso nariz.
Um dos pilares da boa educação (formal e informal) é a prevenção. Crescemos escutando advertências: pode dar choque, isso quebra, assim vai cair, cuidado, devagar… Se não estudar, perde o ano. Fumar faz mal à saúde. Se beber, não dirija. Há, também, os avisos propositivos: use camisinha, pegue um agasalho, pergunte a quem conhece, leia antes o manual de instruções etc. Quando temos plena consciência dos riscos e, mesmo assim, seguimos em frente, reclamar da sorte é pura perda de tempo.
Contudo, o que raramente aparece classificado no quesito “atitudes de prevenção” são os bons modos – um erro. Creia: evitamos acidentes, falhas e problemas usando diariamente expressões como bom dia, com licença e obrigado. E alargamos as chances de acertos exponencialmente quando as palavras são acompanhadas por um sorriso fácil. Criar uma atmosfera de respeito, prudência e simpatia contamina o entorno, mantendo a comunicação mais clara e produtiva. E contribui para baixar o índice de stress.
Este tema nasceu de uma cena da semana passada. Uma senhora muito casmurra e seca fez seu pedido em um restaurante de praça de alimentação de shopping. Pedido extenso, complexo, para uma família inteira. Durante o tempo em que eu almoçava, ela voltou três ou quatro vezes para reclamações, cada vez mais mal humorada. Esbravejava que nunca, nunca!, acertavam seus pedidos. Desde a chegada, eu havia reparado em seus traços: tudo em sua face apontava para baixo. Sabe as pessoas com uma nuvem de chuva sobre a cabeça? Dessas. Eis a razão de errarem toda hora os seus pedidos!
Um rosto invariavelmente severo, descontente e triste não tonifica os músculos envolvidos no sorriso. Logo, fica cada vez mais custoso sorrir. Cansa. Dói. O problema são os recados que se está mandando ao interlocutor: não gosto de ti, desconfio de ti, te desprezo. Ao agir assim, desejar que tudo aconteça sempre perfeito é o mesmo que acreditar que não tropeçaremos quando andamos arrastando os pés! A vida, como as calçadas, tem imperfeições. Mas há quem tropece menos. E, mesmo ao chutar a pedra, ainda tenha ânimo para rir de sua falha, tonificando a musculatura da bochecha até a alma.
Na vasta literatura de autoajuda encontramos menções à “energia” que carregamos conosco. Uma boa maneira de explicar a fé: pensando positivo (acreditando no êxito) veríamos o sucesso vicejar. Do contrário, tudo estaria fadado ao infortúnio e a vida seria uma eterna provação. Bacana, místico… Eu mesmo sou alguém propenso a dar valor àquilo que não podemos ver ou comprovar. Até um pedinte de sinaleira já me classificou de espiritualizado – quem sabe ele enxerga além da moeda que lhe dão… Como já disse, tudo pode dar errado a qualquer momento, e acreditar na magia dos bons sentimentos é reconfortante.
Mesmo assim, como posso estar diante de um leitor agnóstico, e isso merece respeito, ofereço uma dica para as coisas darem menos errado na vida. Tipo conselho de mãe. Sorria! De modo largo, com frequência, verdadeiramente. Senão por prazer, ao menos por musculação. Agindo desta forma será menos pesado sorrir para emoldurar nossas trocas mais singelas com o próximo. E, sem mágica, tudo vai melhorar. Se tal atitude funciona? Ora, não está na cara?
Reflexão precisa e necessária sobre o nosso tempo. As pessoas estão esquecendo essas palavras mágicas que abrem portas e anuviam o dia. Parece que todos se sentem donos do mundo e o próximo – para usar uma palavra dos evangelhos – tornou-se apenas alguém a ser usado para alcançar objetivos ou caprichos.
Beto, muito grato pelo comentário. E, como temos filhos, digo: só se transite o valor correto destes mínimos atos (um sorriso e o bom dia) através do exemplo. Abração, Rubem
Caro amigo Rubem. Muito feliz esta tua crônica. Sou um tremendo cético em relação aos livros de auto-ajuda. Deveriam ter apenas uma página, com uma única palavra: SORRIA.
Dillen.
Dillen, como era mesmo o nome daquela retranca da revista Seleções? Rir é o melhor remédio! Aliás, seguido de “Piadas de caserna”, “Flagrantes da vida real” e “Instantâneos pessoais”, as piadas como “melhor remédio” eram minha leitura primeira! Abraços, Rubem
Como de hábito, ótima.
O sorriso, inclusive, deixa as tais “marcas de expressão” (rugas mesmo) bem mais leves!
Lúcio, viva as “marcas de expressão”! Do contrário, ficaríamos todos com cara de político em outdoor (e dá-lhe photoshop)…
Abraços, Rubem